Pesquisadores desenvolveram uma técnica inovadora para visualizar os órgãos internos do corpo, tornando os tecidos sobrepostos transparentes à luz visível. A abordagem surpreendente, que usa um corante alimentar seguro, demonstrou ser reversível em testes com animais e pode ser aplicada a uma variedade de diagnósticos médicos, como a detecção de lesões, o monitoramento de distúrbios digestivos e a identificação de cânceres.
A pesquisa foi publicada por cientistas da Universidade de Stanford na revista Science em 6 de setembro de 2024, com o título “Achieving optical transparency in live animals with absorbing molecules” (Alcançando transparência óptica em animais vivos com moléculas absorventes).
Guosong Hong, professor assistente de ciência e engenharia de materiais em Stanford, que liderou o estudo, comentou sobre o futuro da tecnologia: “No futuro, essa tecnologia poderá tornar as veias mais visíveis para a coleta de sangue, facilitar a remoção de tatuagens com um laser ou ajudar na detecção precoce e no tratamento de cânceres”.
Hong destacou a possível aplicação em tratamentos de câncer: “Por exemplo, certas terapias usam lasers para eliminar células cancerosas e pré-cancerosas, mas elas são limitadas a áreas próximas à superfície da pele. Essa técnica pode ser capaz de melhorar a penetração da luz”.
Para isso, os pesquisadores criaram um modelo que prevê como a luz interage com tecidos biológicos tingidos, levando em conta fatores como dispersão e refração, processos que afetam a trajetória da luz. A dispersão, por exemplo, é o que torna o corpo opaco, uma vez que diferentes componentes, como gorduras e proteínas, dispersam a luz de diferentes maneiras.
A descoberta ocorreu quando a equipe percebeu que, para obter transparência, seria necessário harmonizar os diferentes índices de refração dos materiais biológicos. Os corantes que absorvem a luz, como a tartrazina (o corante alimentício conhecido como FD&C Yellow 5), mostraram-se ideais. Quando dissolvidas e absorvidas pelos tecidos, as moléculas de tartrazina alinham os índices de refração, tornando os tecidos transparentes.
Os primeiros testes foram realizados em fatias de peito de frango. À medida que a concentração de tartrazina aumentava, o índice de refração das células musculares se ajustava ao das proteínas, resultando em transparência. A próxima etapa envolveu a aplicação de uma solução de tartrazina em camundongos, o que tornou suas peles temporariamente transparentes, revelando vasos sanguíneos e órgãos internos em alta resolução.
Após o uso, os tecidos voltaram rapidamente à sua opacidade natural, sem efeitos colaterais de longo prazo, e o excesso de corante foi excretado em 48 horas. A expectativa é que as injeções de tartrazina permitam uma visualização ainda mais profunda, com possíveis implicações médicas.
O projeto começou como uma investigação sobre a interação entre micro-ondas e tecidos biológicos. Durante a pesquisa, os cientistas revisitaram conceitos clássicos de óptica, como a relação Kramers-Kronig e a oscilação de Lorentz, aplicando-os de uma nova maneira à biologia.
Nick Rommelfanger, pesquisador de pós-graduação e um dos pioneiros do estudo, viu potencial na adaptação desses conceitos ópticos ao espectro visível, com grandes implicações médicas. Zihao Ou, pesquisador de pós-doutorado e principal autor do estudo, realizou uma análise rigorosa dos corantes, resultando na descoberta da tartrazina como candidata ideal.
Obtenção de transparência óptica em camundongos vivos com moléculas de corante absorventes.
A descoberta só foi possível com o uso de ferramentas sofisticadas, como o elipsômetro, que, embora tradicionalmente usado na fabricação de semicondutores, desempenhou um papel crucial na previsão das propriedades ópticas dos corantes.
Richard Nash, diretor do programa da NSF, destacou a importância das instalações de pesquisa de Stanford: “As instalações de pesquisa avançada se esforçam constantemente para atingir o equilíbrio certo, fornecendo acesso a ferramentas e conhecimentos básicos e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para instrumentos mais novos, maiores e mais potentes. Embora um instrumento básico, como um elipsômetro, raramente apareça nas manchetes, ele pode desempenhar um papel crucial quando implantado para usos atípicos.”
A pesquisa de Hong e sua equipe sugere o surgimento de um novo campo de estudo que combina corantes com tecidos biológicos para aplicações médicas. O especialista em óptica Adam Wax, que também apoiou o trabalho, elogiou a inovação: “Como especialista em óptica, estou impressionado com o fato de eles terem conseguido tanto explorando a relação Kramers-Konig… Hong conseguiu avançar em uma nova e ousada direção”.