Anne Trafton | MIT News
Cerca de 60% de todos os pacientes com câncer nos Estados Unidos recebem radioterapia como parte de seu tratamento. No entanto, essa radiação pode ter efeitos colaterais graves, que muitas vezes acabam sendo difíceis demais para os pacientes tolerarem.
Inspirados em um organismo minúsculo que pode resistir a grandes quantidades de radiação, pesquisadores do MIT, do Brigham and Women’s Hospital e da Universidade de Iowa desenvolveram uma nova estratégia que pode proteger os pacientes desse tipo de dano. A abordagem utiliza uma proteína dos tardígrados, também chamados de “ursos d’água”, que geralmente medem menos de um milímetro de comprimento.
Quando os pesquisadores injetaram RNA mensageiro codificando essa proteína em camundongos, descobriram que ela gerou proteína suficiente para proteger o DNA das células contra danos induzidos pela radiação. Se desenvolvido para uso em seres humanos, essa abordagem poderia beneficiar muitos pacientes com câncer, afirmam os pesquisadores.
“A radioterapia pode ser muito útil para muitos tumores, mas também reconhecemos que os efeitos colaterais podem ser limitantes. Existe uma necessidade não atendida no que diz respeito a ajudar os pacientes a mitigar o risco de danos nos tecidos adjacentes”, diz Giovanni Traverso, professor associado de engenharia mecânica no MIT e gastroenterologista no Brigham and Women’s Hospital.
Traverso e James Byrne, professor assistente de oncologia radioterápica na Universidade de Iowa, são os autores seniores do estudo, que foi publicado na Nature Biomedical Engineering. Os autores principais do artigo são Ameya Kirtane, instrutor de medicina na Harvard Medical School e cientista visitante no Koch Institute for Integrative Cancer Research do MIT, e Jianling Bi, cientista de pesquisa na Universidade de Iowa.
Sobrevivência extrema
A radiação é frequentemente usada para tratar cânceres da cabeça e pescoço, onde pode danificar a boca ou a garganta, tornando muito doloroso comer ou beber. Ela também é comumente utilizada para cânceres gastrointestinais, o que pode levar a sangramentos retais. Muitos pacientes acabam adiando os tratamentos ou interrompendo-os completamente.
“Isso afeta um grande número de pacientes, e pode se manifestar de algo simples como úlceras na boca, que podem limitar a capacidade de uma pessoa de comer devido à dor, até exigir hospitalização, porque as pessoas sofrem muito com a dor, perda de peso ou sangramentos. Pode ser bastante perigoso, e é algo que realmente queríamos tentar resolver”, diz Byrne.
Atualmente, existem poucas maneiras de prevenir os danos causados pela radiação em pacientes com câncer. Existem alguns medicamentos que podem ser administrados para tentar reduzir os danos, e para pacientes com câncer de próstata, um hidrogel pode ser usado para criar uma barreira física entre a próstata e o reto durante o tratamento com radiação.
Há vários anos, Traverso e Byrne têm trabalhado no desenvolvimento de novas maneiras de prevenir danos causados pela radiação. No novo estudo, eles se inspiraram na extraordinária capacidade de sobrevivência dos tardígrados. Encontrados em todo o mundo, geralmente em ambientes aquáticos, esses organismos são bem conhecidos por sua resiliência a condições extremas. Cientistas até os enviaram ao espaço, onde foi demonstrado que eles sobreviveram à desidratação extrema e à radiação cósmica.
Um componente-chave dos sistemas de defesa dos tardígrados é uma proteína única de supressão de danos chamada Dsup, que se liga ao DNA e ajuda a protegê-lo dos danos causados pela radiação. Essa proteína desempenha um papel fundamental na capacidade dos tardígrados de sobreviver a doses de radiação de 2.000 a 3.000 vezes superiores àquelas que um ser humano pode tolerar.

Imagem: Cortesia dos pesquisadores.
Ao pensar em maneiras inovadoras de proteger pacientes com câncer da radiação, os pesquisadores se perguntaram se poderiam entregar o RNA mensageiro codificando a Dsup aos tecidos dos pacientes antes do tratamento com radiação. Esse mRNA faria com que as células expressassem temporariamente a proteína, protegendo o DNA durante o tratamento. Após algumas horas, o mRNA e a proteína desapareceriam.
Para que isso funcionasse, os pesquisadores precisavam de uma maneira de entregar o mRNA que gerasse grandes quantidades da proteína nos tecidos-alvo. Eles testaram bibliotecas de partículas de entrega contendo componentes tanto de polímeros quanto de lipídios, que foram usados separadamente para alcançar uma entrega eficiente de mRNA. A partir desses testes, eles identificaram uma partícula de polímero-lipídio que era mais adequada para entrega ao cólon e outra otimizada para entregar o mRNA ao tecido da boca.
“Pensamos que, talvez, ao combinar esses dois sistemas — polímeros e lipídios — pudéssemos obter o melhor de ambos os mundos e alcançar uma entrega de RNA altamente eficaz. E foi exatamente isso que observamos”, diz Kirtane. “Uma das vantagens da nossa abordagem é que estamos usando RNA mensageiro, que apenas expressa temporariamente a proteína, sendo considerado muito mais seguro do que algo como o DNA, que pode ser incorporado ao genoma das células.”
Proteção contra radiação
Após mostrar que essas partículas poderiam entregar com sucesso o mRNA às células cultivadas em laboratório, os pesquisadores testaram se essa abordagem poderia efetivamente proteger o tecido da radiação em um modelo de camundongo.
Eles injetaram as partículas na bochecha ou no reto várias horas antes de administrar uma dose de radiação similar à que pacientes com câncer receberiam. Nos camundongos, os pesquisadores observaram uma redução de 50% na quantidade de quebras de DNA de fita dupla causadas pela radiação.
“Este estudo mostra grande potencial e é uma ideia realmente inovadora, aproveitando mecanismos naturais de proteção contra danos ao DNA com o objetivo de proteger células saudáveis durante os tratamentos de radiação para câncer”, diz Ben Ho Park, diretor do Vanderbilt-Ingram Cancer Center no Vanderbilt University Medical Center, que não participou do estudo.
Os pesquisadores também demonstraram que o efeito protetor da proteína Dsup não se espalhou além do local da injeção, o que é importante porque eles não querem proteger o tumor dos efeitos da radiação. Para tornar esse tratamento mais viável para uso em humanos, os pesquisadores agora planejam trabalhar no desenvolvimento de uma versão da proteína Dsup que não provoque uma resposta imune, como provavelmente ocorreria com a proteína original do tardígrado.
Se desenvolvido para uso em humanos, essa proteína também poderia ser usada para proteger contra danos ao DNA causados por medicamentos de quimioterapia, dizem os pesquisadores. Outra aplicação possível seria ajudar a prevenir danos causados pela radiação em astronautas no espaço.
Outros autores do artigo incluem Netra Rajesh, Chaoyang Tang, Miguel Jimenez, Emily Witt, Megan McGovern, Arielle Cafi, Samual Hatfield, Lauren Rosenstock, Sarah Becker, Nicole Machado, Veena Venkatachalam, Dylan Freitas, Xisha Huang, Alvin Chan, Aaron Lopes, Hyunjoon Kim, Nayoon Kim, Joy Collins, Michelle Howard, Srija Manchkanti e Theodore Hong.
A pesquisa foi financiada pelo Prostate Cancer Foundation Young Investigator Award, pelo U.S. Department of Defense Prostate Cancer Program Early Investigator Award, por uma Hope Funds for Cancer Research Fellowship, pela American Cancer Society, pelo National Cancer Institute, pelo Departamento de Engenharia Mecânica do MIT e pela U.S. Advanced Research Projects Agency for Health.
Reimpresso com permissão do MIT News.