O que uma gravidez no espaço realmente pode envolver

À medida que os planos para missões a Marte se aceleram, também aumentam as questões sobre como o corpo humano pode lidar com isso. Uma viagem de ida e volta ao planeta vermelho daria tempo mais que suficiente para que alguém engravidasse e até mesmo desse à luz. Mas seria possível conceber e levar uma gravidez de forma segura no espaço? E o que aconteceria com um bebê nascido longe da Terra?
A maioria de nós raramente considera os riscos que sobrevivemos antes de nascer. Por exemplo, cerca de dois terços dos embriões humanos não vivem o suficiente para nascer, com a maioria das perdas ocorrendo nas primeiras semanas após a fertilização — muitas vezes antes mesmo de a pessoa saber que está grávida. Essas perdas precoces e despercebidas geralmente acontecem quando o embrião não se desenvolve adequadamente ou não consegue se implantar com sucesso na parede do útero.
A gravidez pode ser compreendida como uma cadeia de marcos biológicos. Cada um precisa acontecer na ordem certa e cada um tem uma determinada chance de sucesso. Na Terra, essas probabilidades podem ser estimadas com base em pesquisas clínicas e modelos biológicos. Minha pesquisa mais recente explora como essas mesmas etapas podem ser afetadas pelas condições extremas do espaço interplanetário.
Microgravidade, a quase ausência de peso experimentada durante um voo espacial, tornaria a concepção fisicamente mais complicada, mas provavelmente não interferiria muito em manter a gravidez uma vez que o embrião tenha se implantado.
No entanto, dar à luz e cuidar de um recém-nascido seria muito mais difícil em gravidade zero. Afinal, no espaço, nada permanece parado. Os fluidos flutuam. As pessoas também. Isso torna o parto e os cuidados com um bebê um processo muito mais bagunçado e complicado do que na Terra, onde a gravidade ajuda em tudo — desde o posicionamento até a alimentação.
Ao mesmo tempo, o feto em desenvolvimento já cresce em algo semelhante à microgravidade. Ele flutua em líquido amniótico neutro dentro do útero, acolchoado e suspenso. Na verdade, astronautas treinam para caminhadas espaciais em tanques de água projetados para simular a ausência de peso. Nesse sentido, o útero já é um simulador de microgravidade.
Mas a gravidade é apenas parte da equação.
Radiação
Fora das camadas protetoras da Terra, há uma ameaça ainda mais perigosa: os raios cósmicos. São partículas de altíssima energia — núcleos atômicos “despidos” ou “nus” — que cruzam o espaço quase à velocidade da luz. São átomos que perderam todos os seus elétrons, restando apenas o núcleo denso de prótons e nêutrons. Quando esses núcleos colidem com o corpo humano, podem causar danos celulares graves.
Aqui na Terra, estamos protegidos da maior parte da radiação cósmica pela atmosfera espessa do planeta e, dependendo da hora do dia, por dezenas de milhares a milhões de milhas de cobertura do campo magnético terrestre. No espaço, essa proteção desaparece.
Quando um raio cósmico atravessa o corpo humano, ele pode atingir um átomo, arrancar seus elétrons e colidir com seu núcleo, derrubando prótons e nêutrons e deixando para trás um elemento ou isótopo diferente. Isso pode causar danos extremamente localizados — ou seja, células individuais, ou partes delas, são destruídas enquanto o resto do corpo pode permanecer intacto. Às vezes o raio passa direto sem atingir nada. Mas se atingir o DNA, pode provocar mutações que aumentam o risco de câncer.
Mesmo quando as células sobrevivem, a radiação pode desencadear respostas inflamatórias. Isso significa que o sistema imunológico reage de forma exagerada, liberando substâncias químicas que podem danificar tecidos saudáveis e prejudicar o funcionamento dos órgãos.
Nas primeiras semanas da gravidez, as células embrionárias estão se dividindo rapidamente, se movimentando e formando os primeiros tecidos e estruturas. Para que o desenvolvimento continue, o embrião precisa permanecer viável durante todo esse processo delicado. O primeiro mês após a fertilização é o período mais vulnerável.
Um único impacto de um raio cósmico de alta energia nesse estágio pode ser letal para o embrião. No entanto, o embrião é muito pequeno — e os raios cósmicos, embora perigosos, são relativamente raros. Assim, um impacto direto é improvável. Se acontecer, provavelmente resultaria em um aborto espontâneo despercebido.
Riscos na gravidez
À medida que a gravidez avança, os riscos mudam. Uma vez que a circulação placentária — o sistema de fluxo sanguíneo que conecta mãe e feto — está completamente formada no final do primeiro trimestre, o feto e o útero passam a crescer rapidamente.
Esse crescimento apresenta um alvo maior. Um raio cósmico agora tem mais chances de atingir o músculo uterino, o que pode desencadear contrações e potencialmente causar parto prematuro. E embora os cuidados neonatais tenham melhorado dramaticamente, quanto mais cedo um bebê nasce, maior é o risco de complicações — especialmente no espaço.
Na Terra, a gravidez e o parto já envolvem riscos. No espaço, esses riscos são ampliados — mas não necessariamente proibitivos.
Mas o desenvolvimento não para no nascimento. Um bebê nascido no espaço continuaria crescendo em microgravidade, o que poderia interferir nos reflexos posturais e na coordenação. Esses são os instintos que ajudam o bebê a aprender a levantar a cabeça, sentar, engatinhar e, eventualmente, andar — todos movimentos que dependem da gravidade. Sem essa noção de “cima” e “baixo”, essas habilidades podem se desenvolver de maneiras muito diferentes.
E o risco da radiação não desaparece. O cérebro de um bebê continua crescendo após o nascimento, e a exposição prolongada aos raios cósmicos pode causar danos permanentes — afetando possivelmente a cognição, a memória, o comportamento e a saúde a longo prazo.
Então, um bebê poderia nascer no espaço?
Em teoria, sim. Mas até que possamos proteger embriões da radiação, prevenir partos prematuros e garantir que os bebês possam se desenvolver com segurança na microgravidade, a gravidez no espaço continua sendo um experimento de alto risco — para o qual ainda não estamos prontos.
Arun Vivian Holden, Professor Emérito de Biologia Computacional, Universidade de Leeds
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.