Um implante cerebral leitor de mentes com proteção por senha

Um implante cerebral pode decodificar os pensamentos internos de uma pessoa — mas o dispositivo só funciona se o usuário pensar em uma senha pré-definida.
O dispositivo leitor de mentes, ou interface cérebro-computador (BCI), conseguiu decifrar com precisão até 74% das frases imaginadas. O sistema começava a decodificar o discurso interno dos usuários — o diálogo silencioso em suas mentes — apenas quando eles pensavam em uma palavra-chave específica. Isso garantia que o sistema não traduzisse acidentalmente frases que os usuários preferissem manter em sigilo.
O estudo, publicado na revista Cell em 14 de agosto, representa um “avanço tecnicamente impressionante e significativo” no desenvolvimento de dispositivos BCI capazes de decodificar o discurso interno com precisão, afirma Sarah Wandelt, engenheira neural do Feinstein Institutes for Medical Research em Manhasset, Nova York, que não participou da pesquisa. O mecanismo de senha também oferece uma forma direta de proteger a privacidade dos usuários, um recurso crucial para a aplicação no mundo real, acrescenta Wandelt.
Os sistemas BCI traduzem sinais cerebrais em texto ou áudio e têm se mostrado ferramentas promissoras para restaurar a fala em pessoas com paralisia ou controle muscular limitado. A maioria dos dispositivos exige que os usuários tentem falar em voz alta, o que pode ser cansativo e desconfortável. No ano passado, Wandelt e seus colegas desenvolveram o primeiro BCI capaz de decodificar a fala interna, que se baseava em sinais do giro supramarginal, uma região do cérebro que desempenha um papel fundamental na fala e na linguagem.
Mas existe o risco de que esses BCIs de fala interna possam decodificar acidentalmente frases que os usuários nunca pretendiam expressar, afirma Erin Kunz, engenheira neural da Universidade de Stanford, na Califórnia. “Queríamos investigar isso de forma robusta”, diz Kunz, que é coautora do novo estudo.

Primeiro, Kunz e seus colegas analisaram sinais cerebrais coletados por microeletrodos colocados no córtex motor — a região envolvida em movimentos voluntários — de quatro participantes. Todos os quatro apresentavam dificuldades de fala, sendo um devido a um derrame e três por causa de esclerose lateral amiotrófica, uma degeneração dos nervos que leva à perda do controle muscular. Os pesquisadores instruíram os participantes a tentar dizer um conjunto de palavras ou imaginar que as diziam.
As gravações da atividade cerebral dos participantes mostraram que a fala tentada e a fala interna se originavam na mesma região do cérebro e geravam sinais neurais semelhantes, mas os associados à fala interna eram mais fracos.
Em seguida, Kunz e seus colegas usaram esses dados para treinar modelos de inteligência artificial a reconhecer fonemas — as menores unidades da fala — nas gravações neurais. A equipe utilizou modelos de linguagem para unir esses fonemas e formar palavras e frases em tempo real, a partir de um vocabulário de 125.000 palavras.

O dispositivo interpretou corretamente 74% das frases imaginadas por dois participantes que foram instruídos a pensar em frases específicas. Esse nível de precisão é semelhante ao do BCI anterior da equipe para fala tentada, afirma Kunz.
Em alguns casos, o dispositivo também decodificou números que os participantes imaginaram ao contar silenciosamente retângulos cor-de-rosa exibidos na tela, sugerindo que o BCI pode detectar conversas internas espontâneas.
Para reduzir o risco de decodificar frases que os usuários não pretendem dizer em voz alta, os pesquisadores adicionaram uma senha ao sistema, permitindo que os participantes controlassem quando ele começava a decodificação. Quando um participante imaginava a senha “Chitty-Chitty-Bang-Bang” (nome de um livro infantil em inglês), o BCI a reconhecia com mais de 98% de precisão.
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O estudo é empolgante porque revela as diferenças neurais entre a fala interna e a fala tentada, afirma Silvia Marchesotti, neuroengenheira da Universidade de Genebra, na Suíça. Ela acrescenta que será importante explorar sinais de fala em regiões do cérebro além do córtex motor.
Os pesquisadores planejam fazer isso, além de melhorar a velocidade e a precisão do sistema. “Se analisarmos outras partes do cérebro, talvez também possamos abordar mais tipos de distúrbios da fala”, diz Kunz.