Os seres humanos e os chimpanzés realmente compartilham quase 99% do seu DNA?

Os chimpanzés, juntamente com os bonobos, são os parentes vivos mais próximos dos seres humanos. Na verdade, você já deve ter ouvido falar que os seres humanos e os chimpanzés compartilham 98,8% do seu DNA.
Mas isso é realmente verdade? E o que significa, na verdade, “DNA semelhante”?
A verdade é que a frequentemente citada semelhança de 98,8% entre o DNA do chimpanzé (Pan troglodytes) e o do ser humano (Homo sapiens) ignora diferenças fundamentais nos genomas das espécies, afirmaram especialistas.
O DNA humano e o do chimpanzé é formado por quatro blocos básicos de construção, ou nucleotídeos: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). Os genomas de ambas as espécies podem ser vistos como uma “sequência das letras A, C, G e T… com cerca de 3 bilhões de letras”, explicou David Haussler, diretor científico do Instituto de Genômica da UC Santa Cruz.
Quando os cientistas comparam o DNA humano e o do chimpanzé, eles identificam a sequência de letras (nucleotídeos) em ambos os genomas e buscam trechos de DNA onde há grande sobreposição entre os dois. Em seguida, contam o número de letras coincidentes nessas regiões.
“É como comparar uma versão de um romance muito longo com outra, levemente editada”, afirmou Haussler.
Pesquisas iniciais sugeriram que os genomas humano e do chimpanzé seriam mais de 98% idênticos. “Isso significa que, para cada parte do genoma humano em que o chimpanzé possui uma sequência correspondente de DNA, em média 1 a cada 100 nucleotídeos (bases individuais A, C, T ou G) é diferente”, explicou Katie Pollard, diretora do Gladstone Institute of Data Science and Biotechnology da Universidade da Califórnia, em San Francisco.
Para efeito de comparação, os seres humanos compartilham cerca de 99,9% de seu DNA entre si, afirmou Haussler.
No entanto, a estimativa de 99% é enganosa, pois se concentra apenas nos trechos de DNA em que os genomas humano e do chimpanzé podem ser alinhados diretamente e ignora seções difíceis de comparar, destacou Tomas Marques-Bonet, chefe do grupo de Genômica Comparativa do Instituto de Biologia Evolutiva (CSIC/UPF), em Barcelona, Espanha.
Segundo Marques-Bonet, as seções do DNA humano sem um correspondente claro no DNA do chimpanzé representam aproximadamente de 15% a 20% do genoma. Por exemplo, alguns fragmentos de DNA estão presentes em uma espécie, mas ausentes na outra; esses são conhecidos como “inserções e deleções”. Ao longo da evolução a partir de um ancestral comum, certas partes do DNA em uma espécie se quebraram e se religaram em outros pontos do cromossomo.
Assim, embora estudos anteriores tenham sugerido uma semelhança de 98% a 99%, comparações que incluem regiões de difícil alinhamento elevam essa diferença para algo em torno de 5% a 10%, afirmou Marques-Bonet. “E se considerarmos as regiões ainda complexas demais para serem alinhadas adequadamente com a tecnologia atual, a verdadeira diferença global provavelmente ultrapassa 10%”, disse ele.
Na verdade, um estudo de 2025 constatou que os genomas humano e do chimpanzé são aproximadamente 15% diferentes quando comparados de forma direta e completa. Mas, se esse método direto for utilizado, observa-se também grande variabilidade dentro das próprias espécies — chegando a até 9% entre os chimpanzés, apontou o estudo de 2025.
“Diante desse cenário, a estreita relação genética entre humanos e chimpanzés não se altera”, escreveu Martin Neukamm, químico da Universidade Técnica de Munique que não participou do estudo de 2025, em um artigo traduzido.
As diferenças entre os genomas humano e do chimpanzé residem principalmente no DNA não codificante, os trechos que não produzem proteínas específicas e que representam cerca de 98% do genoma, segundo Pollard.
As diferenças no DNA não codificante têm um grande impacto. Enquanto o DNA codificante contém as instruções para a produção de proteínas, as “regiões regulatórias” presentes no DNA não codificante controlam como, quando e onde essas proteínas são produzidas, explicou Marques-Bonet. Elas funcionam como interruptores, determinando se um gene será ativado ou desativado.
É por isso que uma pequena alteração no genoma, especialmente nessas regiões regulatórias, pode se refletir em grandes diferenças nas características. “Uma pequena mudança no DNA pode ter grandes consequências em como esse DNA é expresso”, afirmou Haussler, “e, por sua vez, mudanças na expressão podem levar a transformações ainda maiores no fenótipo — o termo científico para características como ter pelos ou não, ser maior ou menor, etc.”
Assim, embora chimpanzés e humanos compartilhem o mesmo conjunto de ferramentas genéticas, a forma como essas ferramentas são utilizadas faz toda a diferença. “Humanos e chimpanzés são formados essencialmente pelos mesmos blocos de construção (proteínas), mas estes são usados de maneiras um pouco diferentes para formar um humano ou um chimpanzé”, observou Pollard.