Dispositivo vestível promete mais autonomia para pessoas com deficiência visual

Um grupo de pesquisadores desenvolveu o WanderPal, um dispositivo vestível inteligente que pode mudar radicalmente a forma como pessoas com deficiência visual severa se locomovem nas cidades. A proposta combina inteligência artificial e feedback tátil para oferecer mais segurança e autonomia em ambientes urbanos, onde a navegação costuma ser um grande desafio para esse público.
Segundo o estudo publicado na revista Device, a solução busca superar limitações de tecnologias já existentes, como bengalas inteligentes e aplicativos de voz. Esses recursos, apesar de úteis, muitas vezes não oferecem informações precisas em locais barulhentos, congestionados ou com sinalização confusa. Além disso, podem causar sobrecarga sensorial ao tentar transmitir dados em excesso.

Uma das descobertas centrais da pesquisa foi o valor dos meios-fios como marcos de navegação. Durante entrevistas e testes com pessoas cegas, os pesquisadores identificaram que, na prática, os usuários confiam mais em elementos físicos constantes do que em referências variáveis, como placas de rua ou fachadas de prédios.
O WanderPal foi projetado para explorar justamente essa preferência. O dispositivo utiliza um modelo de visão computacional aprimorado para detectar meios-fios em tempo real e transformar essas informações em sinais vibratórios. Assim, o usuário não recebe um comando direto de “para onde ir”, mas sim uma indicação tátil que lhe permite interpretar o ambiente e tomar decisões por conta própria.
Esse aspecto foi considerado essencial no desenvolvimento: oferecer independência sem impor trajetórias pré-definidas. Como explicou um dos entrevistados no estudo, muitas soluções existentes “dizem apenas o que fazer, em vez de dar informações sobre o que há ao redor”. O WanderPal procura inverter essa lógica, dando ao usuário mais controle sobre seus deslocamentos.
Outro diferencial do projeto é a forma como foi desenvolvido. A equipe adotou um processo de design participativo, envolvendo pessoas com deficiência visual em todas as etapas. Além das entrevistas, foram realizados testes de simulação auditiva e oficinas colaborativas.
Essas atividades mostraram, por exemplo, que os usuários preferem informações curtas e claras, transmitidas de forma simples, como vibrações em áreas específicas da mão. Também revelaram preocupações com a privacidade: muitos se mostraram desconfortáveis com dispositivos chamativos, como câmeras visíveis ou óculos pesados. Por isso, a solução final integrou a câmera à bengala e manteve a luva discreta e leve.

Resultados em testes de campo
Para avaliar a eficácia, o WanderPal foi testado em situações reais com seis participantes. Cada um percorreu rotas desconhecidas usando apenas a bengala e, em seguida, repetiu o trajeto com o apoio do dispositivo.
Os resultados chamaram atenção:
- O tempo de caminhada foi reduzido em média em quatro minutos.
- O número de desvios de rota caiu significativamente.
- Usuários relataram sentir-se mais confiantes e seguros, especialmente em áreas de tráfego intenso e ruído elevado.
Ainda que o dispositivo não tenha eliminado completamente colisões com obstáculos, os participantes destacaram que a vibração contínua forneceu um senso de orientação mais estável, algo que a navegação apenas por áudio nem sempre garante.

Apesar do sucesso inicial, os pesquisadores reconhecem limitações. Em locais muito movimentados, quando os meios-fios ficam ocultos por pedestres ou veículos, o sistema pode falhar. Além disso, alguns usuários sugeriram que a tecnologia deveria oferecer alternativas de referência quando não há calçadas visíveis, como detectar rampas ou sinalizações táteis no chão.
O grupo planeja agora ampliar os testes, integrar novos sensores e explorar formas de personalizar o feedback, permitindo que cada usuário ajuste o tipo de informação de acordo com seu estilo de locomoção.
Um avanço para a mobilidade inclusiva
O WanderPal representa mais do que um protótipo tecnológico. Ele simboliza uma mudança de abordagem: em vez de projetar soluções de forma isolada, a pesquisa mostrou o valor de construir ferramentas em conjunto com quem realmente precisa delas.
Ao unir inteligência artificial, feedback tátil e design centrado no ser humano, o dispositivo aponta para um futuro em que pessoas com deficiência visual severa possam caminhar com mais segurança, independência e confiança.
O dispositivo WanderPal em ação
Mais informações: Xin Chen, Yujie Gu, Cecilia García-Cena, Pooya Sareh. Publicado pela primeira vez: 12 de setembro de 2025. S2666-9986(25)00237-6