Estudos recentes questionam a prática científica de usar a Via Láctea como modelo universal para a formação de galáxias, sugerindo que nossa galáxia pode não ser tão representativa quanto se acreditava anteriormente.
“A Via Láctea tem sido um laboratório incrível para a física, incluindo a física da formação de galáxias e da matéria escura”, afirmou Risa Wechsler, professora de Física na Escola de Humanidades e Ciências. “Mas a Via Láctea é apenas um sistema e pode não ser típica de como outras galáxias se formaram. Por isso, é crucial encontrar galáxias semelhantes e compará-las.”
Para investigar galáxias parecidas com a Via Láctea, Wechsler lançou o projeto Satellites Around Galactic Analogs (SAGA), uma pesquisa comparativa que examina galáxias de massa semelhante.
Após uma década de estudos em 101 galáxias parecidas com a Via Láctea, os resultados da equipe SAGA — publicados no The Astrophysical Journal — revelam que a história evolutiva da nossa galáxia diverge significativamente de sistemas cósmicos comparáveis.
“Nossos resultados mostram que não podemos restringir os modelos de formação de galáxias apenas à Via Láctea”, disse Wechsler, que também é professora de física de partículas e astrofísica no Laboratório Nacional SLAC. “Precisamos observar toda a distribuição de galáxias semelhantes no universo.”
Além de Wechsler, o projeto SAGA é liderado pela professora Marla Geha, da Universidade de Yale, e por Yao-Yuan Mao, ex-orientando de doutorado de Wechsler em Stanford e atualmente professor assistente na Universidade de Utah. Os três são coautores dos estudos recém-publicados.
Embora a Via Láctea seja composta por matéria comum, como hidrogênio e ferro, essa substância familiar representa apenas 15% da matéria do universo. Os outros 85% são formados pela misteriosa matéria escura.
“Ninguém sabe do que a matéria escura é feita”, disse Wechsler. “Ela não interage com a matéria comum nem com a luz. Provavelmente há matéria escura passando por você agora mesmo, e você nem percebe.”
As pesquisas mostram que as galáxias se formam dentro de gigantescas estruturas de matéria escura chamadas halos. Embora invisíveis, os halos de matéria escura possuem massa suficiente para gerar uma força gravitacional capaz de atrair matéria comum do espaço, formando estrelas e galáxias.
Um dos principais objetivos do projeto SAGA é explorar como esses halos de matéria escura influenciam a evolução das galáxias. Para isso, a equipe começou investigando as galáxias satélites — menores que orbitam galáxias maiores, como as que orbitam a Via Láctea.
Os pesquisadores se concentraram em quatro das galáxias satélites mais brilhantes da Via Láctea, incluindo as Nuvens de Magalhães, Grande e Pequena (LMC e SMC). Em seguida, realizaram uma busca detalhada por satélites orbitando outras galáxias hospedeiras de massa semelhante. Utilizando imagens telescópicas avançadas, identificaram 378 galáxias satélites em torno de 101 hospedeiras similares à Via Láctea.
“Há uma razão pela qual ninguém tentou isso antes”, disse Wechsler. “É um projeto realmente ambicioso. Tivemos que usar técnicas engenhosas para identificar essas 378 galáxias orbitantes em meio a milhares de objetos no plano de fundo. É como procurar uma agulha no palheiro.”
Um dos três novos estudos do projeto SAGA revelou que o número de galáxias satélites por galáxia hospedeira varia amplamente, de 0 a 13. A Via Láctea, com suas quatro satélites observáveis, se encaixa confortavelmente dentro desse intervalo.
Curiosamente, o estudo também revelou que galáxias hospedeiras com satélites maiores — comparáveis em tamanho às Nuvens de Magalhães, Grande e Pequena (LMC e SMC), da Via Láctea — tendem a abrigar um maior número de satélites no total. No entanto, a Via Láctea se destaca como uma exceção, hospedando menos satélites do que galáxias semelhantes, o que a coloca como um caso atípico.
Um segundo estudo analisou a formação estelar em galáxias satélites, um fator crítico para compreender a evolução galáctica. Descobriu-se que, na maioria das galáxias hospedeiras, os satélites menores continuam formando estrelas. Em contraste, na Via Láctea, a formação estelar está limitada a suas duas satélites mais massivas, as LMC e SMC. Os satélites menores cessaram completamente a formação de estrelas, diferenciando ainda mais a Via Láctea de suas galáxias pares.
“Agora temos um enigma”, afirmou Wechsler. “O que na Via Láctea fez com que esses pequenos satélites de baixa massa interrompessem a formação estelar? Talvez, diferentemente de uma galáxia hospedeira típica, a Via Láctea tenha uma combinação única de satélites mais antigos, que já cessaram a formação de estrelas, e novos, como as LMC e SMC, que só recentemente ingressaram no halo de matéria escura da Via Láctea.”
O estudo também revelou que a formação estelar nas galáxias satélites geralmente é interrompida quando estão localizadas mais próximas de sua galáxia hospedeira. Esse fenômeno pode estar relacionado à influência gravitacional dos halos de matéria escura que cercam a galáxia hospedeira, possivelmente perturbando as condições necessárias para a formação de estrelas.
“Para mim, a fronteira está em descobrir o que a matéria escura está fazendo em escalas menores do que a Via Láctea, como nos pequenos halos de matéria escura que cercam esses pequenos satélites”, concluiu Wechsler.
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O terceiro estudo, liderado pelo pesquisador de doutorado da Universidade de Stanford, Yunchong “Richie” Wang, comparou os novos dados coletados com simulações de computador. As descobertas destacam a necessidade de um modelo revisado de formação de galáxias, incorporando os insights obtidos com o projeto SAGA para alinhar melhor as previsões teóricas aos dados observados.
“O SAGA fornece um marco para avançar nossa compreensão do universo por meio do estudo detalhado de galáxias satélites em sistemas além da Via Láctea,” afirmou Wechsler. “Embora tenhamos concluído nosso objetivo inicial de mapear satélites brilhantes em 101 galáxias hospedeiras, ainda há muito trabalho a ser feito.”