Novos Alvos para Tratamento do Ebola com Triagem Óptica via CRISPR

Embora os surtos do vírus Ebola sejam raros, a doença é grave e frequentemente fatal, com poucas opções de tratamento disponíveis. Em vez de atacar diretamente o vírus, uma abordagem terapêutica promissora consiste em interromper a ação de proteínas das células humanas que o vírus utiliza para se replicar. No entanto, identificar esses reguladores da infecção viral tem se mostrado difícil com os métodos atuais — especialmente no caso de vírus altamente perigosos, como o Ebola, que exigem protocolos rigorosos de biossegurança em laboratórios de contenção máxima.
Agora, pesquisadores do Broad Institute e dos Laboratórios Nacionais de Doenças Infecciosas Emergentes (NEIDL), da Universidade de Boston, usaram um método de triagem baseado em imagens, desenvolvido no Broad, para identificar genes humanos que, quando silenciados, prejudicam a capacidade do vírus Ebola de infectar as células. A técnica, conhecida como triagem óptica em pool (optical pooled screening – OPS), permitiu aos cientistas analisar cerca de 40 milhões de células humanas geneticamente modificadas com CRISPR, observando como a inativação de cada gene do genoma humano afeta a replicação do vírus.
Utilizando análises baseadas em aprendizado de máquina aplicadas às imagens dessas células alteradas, os pesquisadores identificaram diversas proteínas do hospedeiro envolvidas em diferentes etapas da infecção pelo Ebola. Quando essas proteínas foram suprimidas, o vírus teve sua capacidade de replicação drasticamente reduzida. Esses reguladores virais representam possíveis alvos terapêuticos futuros, com potencial para diminuir a gravidade da doença em pessoas já infectadas.
A abordagem também pode ser usada para investigar o papel de diferentes proteínas durante infecções causadas por outros patógenos, ajudando a descobrir novos medicamentos para doenças difíceis de tratar.
O estudo foi publicado na revista Nature Microbiology.
“Este estudo demonstra o poder da triagem óptica em pool (OPS) para investigar como vírus perigosos como o Ebola dependem de fatores do hospedeiro em todas as etapas de seu ciclo de vida, além de explorar novas possibilidades para melhorar a saúde humana”, afirmou Paul Blainey, coautor sênior do estudo, pesquisador principal do Broad Institute e professor do Departamento de Engenharia Biológica do MIT.
Anteriormente, membros do laboratório de Blainey desenvolveram o método de triagem óptica em pool como uma forma de combinar os benefícios da imagem de alto conteúdo — que permite observar, simultaneamente, uma grande variedade de alterações detalhadas em milhares de células — com os das triagens genéticas em pool, que revelam como elementos genéticos influenciam essas alterações. Neste estudo, eles fizeram parceria com o laboratório de Robert Davey, da Universidade de Boston, para aplicar a triagem óptica em pool ao vírus Ebola.
A equipe utilizou a ferramenta CRISPR para desativar individualmente cada gene do genoma humano em quase 40 milhões de células humanas, que em seguida foram infectadas com o vírus Ebola. As células foram então fixadas em placas de laboratório e inativadas, permitindo que o restante do processamento fosse realizado fora do laboratório de alta contenção biológica.
Após capturar imagens dessas células, os pesquisadores mediram a quantidade de proteína e RNA viral em cada uma utilizando o software de análise de imagens CellProfiler. Para obter ainda mais informações das imagens, eles recorreram à inteligência artificial. Com o apoio de membros do Centro Eric e Wendy Schmidt, do Broad Institute — sob liderança da coautora do estudo e pesquisadora do Broad, Caroline Uhler — a equipe utilizou um modelo de aprendizado profundo (deep learning) para determinar automaticamente o estágio da infecção por Ebola em cada célula individual. O modelo foi capaz de distinguir com sutileza os diferentes estágios da infecção, de forma automatizada e em larga escala — algo que não era possível com métodos anteriores.
“Este trabalho representa o mergulho mais profundo até agora sobre como o vírus Ebola reprograma a célula para causar doença — e também o primeiro vislumbre real do momento em que essa reprogramação ocorre”, disse o coautor sênior Robert Davey, diretor dos Laboratórios Nacionais de Doenças Infecciosas Emergentes (NEIDL) da Universidade de Boston e professor de microbiologia na Escola de Medicina Chobanian e Avedisian da mesma universidade. “A inteligência artificial nos deu uma capacidade inédita de fazer isso em escala.”
Sequenciando partes do RNA guia do CRISPR em todas as 40 milhões de células individualmente, os pesquisadores determinaram qual gene humano havia sido silenciado em cada célula, indicando quais proteínas do hospedeiro (e potenciais reguladores virais) haviam sido afetados. A análise revelou centenas de proteínas humanas que, quando desativadas, alteraram o nível geral de infecção — incluindo muitas que são essenciais para a entrada do vírus na célula.
A desativação de outros genes aumentou a quantidade de vírus presente nos corpos de inclusão — estruturas formadas dentro das células humanas que funcionam como “fábricas virais” — e impediu que a infecção progredisse. Alguns desses genes, como UQCRB, sugeriram um papel anteriormente não reconhecido das mitocôndrias no processo de infecção pelo Ebola, o que pode representar um alvo terapêutico. De fato, ao tratar células com um inibidor químico da UQCRB, os pesquisadores observaram uma redução significativa da infecção pelo vírus Ebola, sem afetar a saúde das próprias células.
Outros genes, quando silenciados, modificaram o equilíbrio entre RNA e proteína viral. Por exemplo, a perturbação do gene STRAP resultou em um aumento do RNA viral em relação às proteínas virais. Os cientistas estão atualmente realizando novos estudos em laboratório para entender melhor o papel do STRAP e de outras proteínas na infecção pelo Ebola e investigar se elas poderiam ser alvos de terapias.
Em uma série de triagens secundárias, os pesquisadores também analisaram o papel de alguns dos genes destacados na infecção por filovírus relacionados, como os vírus Sudan e Marburg — ambos altamente letais e sem tratamentos aprovados. A supressão de certos genes interrompeu a replicação desses vírus, sugerindo que uma única abordagem terapêutica poderia ser eficaz contra múltiplos vírus semelhantes.
A metodologia usada neste estudo também pode ser aplicada a outros patógenos e doenças infecciosas emergentes, na busca por novas estratégias terapêuticas.
“Com nosso método, conseguimos medir múltiplas características ao mesmo tempo e revelar novas pistas sobre a interação entre o vírus e o hospedeiro — algo que outras abordagens de triagem não conseguem fazer”, explicou Rebecca Carlson, coautora principal do estudo e ex-pesquisadora de doutorado nos laboratórios de Paul Blainey e Nir Hacohen no Broad. Ela liderou o trabalho em conjunto com o também coautor principal J.J. Patten, da Universidade de Boston.
O estudo foi financiado, em parte, pelo Broad Institute, pelo Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI), pelo Burroughs Wellcome Fund, pela Fundação Fannie e John Hertz, pela Fundação Nacional de Ciência (NSF), pela bolsa pós-doutoral George F. Carrier, pelo Centro Eric e Wendy Schmidt no Broad, pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA e pelo Escritório de Pesquisa Naval dos EUA.
Reprodução autorizada por MIT News.