Mélissa Berthet, Universidade de Zurique
Os humanos conseguem falar facilmente sobre um número infinito de assuntos, desde neurociência até elefantes cor-de-rosa, combinando palavras em frases. Isso é possível graças à composicionalidade: a capacidade de combinar unidades com significado em estruturas maiores, cujo sentido é derivado do significado dessas unidades e da forma como são combinadas.
Durante anos, os cientistas acreditaram que apenas os humanos usavam amplamente a composicionalidade. Pensava-se que a comunicação animal era, em sua maioria, apenas uma mistura aleatória de chamados, com raríssimos casos de composicionalidade. No entanto, nosso novo estudo, publicado recentemente na revista Science, mostra o contrário.
Ao pesquisar extensivamente a comunicação vocal dos bonobos em seu habitat natural, na Reserva Comunitária de Kokolopori, na República Democrática do Congo, descobrimos que a comunicação vocal entre bonobos – nossos parentes vivos mais próximos, junto com os chimpanzés – depende amplamente da composicionalidade, assim como a linguagem humana.

Um dicionário bonobo
Investigar a composicionalidade em animais exige, primeiro, uma compreensão sólida do que significam os chamados individuais e suas combinações. Isso sempre foi um desafio, já que acessar a mente dos animais e decifrar de forma confiável o significado dos seus chamados é difícil.
Para resolver isso, desenvolvemos uma nova forma de determinar com confiabilidade o significado das vocalizações dos bonobos e a usamos para identificar o significado de todos os seus chamados individuais e suas combinações.
Assumimos que um chamado bonobo pode ter diferentes tipos de significado. Pode dar uma ordem (“Corra”), anunciar ações futuras (“Vou viajar”), expressar estados internos (“Estou com medo”) ou se referir a eventos externos (“Há um predador”).
Para compreender de forma confiável o significado de cada vocalização, evitando o viés humano, descrevemos em grande detalhe o contexto de emissão de cada vocalização, usando mais de 300 parâmetros contextuais. Por exemplo, registramos a presença de eventos externos (como a presença de outro grupo de bonobos ou macacos por perto) e o comportamento do indivíduo que emitiu o chamado, como se ele estava se alimentando, viajando, descansando etc.
Também registramos, durante os dois minutos após a emissão de um chamado, o que o emissor e a audiência começaram a fazer, continuaram fazendo e pararam de fazer. Usamos essa descrição altamente detalhada do contexto para atribuir significado aos chamados, sendo o significado os parâmetros contextuais associados à emissão da vocalização. Por exemplo, se o emissor sempre começa a se deslocar após determinado chamado ser emitido, então é provável que o chamado signifique “Vou viajar”.
Com essa abordagem, conseguimos criar uma lista completa dos chamados dos bonobos e seus significados associados: uma espécie de dicionário bonobo. Esse dicionário representa um passo importante na compreensão da comunicação animal, pois é a primeira vez que pesquisadores determinam sistematicamente o significado de todos os chamados de um animal.
Composicionalidade bonobo
Na segunda etapa do nosso estudo, desenvolvemos um método para investigar se as combinações de chamados dos animais são composicionais. Encontramos várias combinações de chamados cujo significado estava relacionado ao significado de suas partes — uma característica essencial da composicionalidade. Além disso, algumas dessas combinações apresentavam uma semelhança impressionante com estruturas composicionais mais complexas da linguagem humana.
Na linguagem humana, a composicionalidade pode assumir duas formas. Na sua versão simples (ou trivial), cada elemento da combinação contribui de forma independente para o significado do todo, e a combinação é interpretada pela soma de suas partes. Por exemplo, “dançarino loiro” refere-se a uma pessoa que é tanto loira quanto dançarina. Se essa pessoa também for médica, podemos inferir que ela é uma médica loira também.
Na sintaxe complexa (ou não trivial), as unidades de uma combinação não contribuem com significados independentes, mas interagem de modo que uma parte da combinação modifica a outra. Por exemplo, “dançarino ruim” não se refere a uma pessoa ruim que também é dançarina. De fato, se essa pessoa também for médica, não podemos inferir que ela é uma médica ruim. Aqui, “ruim” está ligado apenas a “dançarino”.
Estudos anteriores com pássaros e primatas demonstraram que os animais podem formar estruturas composicionais triviais. No entanto, havia pouca evidência clara de composicionalidade não trivial em animais, o que reforçava a ideia de que essa habilidade era exclusivamente humana.
Para determinar se os chamados dos bonobos eram composicionais, emprestamos uma abordagem da linguística que estabelece que, para ser considerada composicional, uma combinação deve atender a três critérios:
- O significado da combinação é derivado do significado de seus elementos.
- Cada um de seus elementos tem significados diferentes.
- O significado da combinação é diferente do significado de seus elementos.
Além disso, avaliamos se uma combinação composicional era não trivial ao determinar se seu significado era mais do que a soma dos significados de suas partes. Para isso, construímos um espaço semântico – uma representação multidimensional dos significados dos chamados dos bonobos – que nos permitiu medir as relações entre os significados dos chamados isolados e suas combinações.
Usamos um método derivado da semântica distribucional, uma abordagem linguística que mapeia palavras com base em suas semelhanças de significado, partindo da ideia de que palavras com significados próximos são usadas em contextos semelhantes. Por exemplo, as palavras “tubarão” e “animal” são frequentemente usadas ao lado de palavras semelhantes, como “peixe” e “predador”, sugerindo que têm significados relacionados. Em contraste, “animal” e “banco” são usados em contextos diferentes, tendo significados menos relacionados. Essa abordagem permite representar e medir de forma confiável a relação entre os significados de diferentes palavras.
Ao aplicar essa metodologia às vocalizações dos bonobos, mapeamos o significado dos chamados e de suas combinações dentro de um espaço semântico baseado em seu contexto de uso. Isso nos permitiu, por fim, determinar quais combinações atendiam aos três critérios da composicionalidade e, adicionalmente, se exibiam composicionalidade não trivial.
Identificamos quatro combinações de chamados cujo significado estava relacionado ao significado de suas partes individuais, uma característica essencial da composicionalidade. Importante notar que todos os tipos de chamados apareceram em pelo menos uma combinação composicional, de forma semelhante à maneira como todas as palavras podem ocorrer em frases na linguagem humana. Isso sugere que, assim como na linguagem humana, a composicionalidade é uma característica fundamental da comunicação dos bonobos.
Além disso, três das combinações de chamados apresentaram uma semelhança impressionante com estruturas composicionais não triviais mais complexas observadas na linguagem humana. Isso sugere que a capacidade de combinar tipos de chamados de maneiras complexas não é tão exclusiva dos humanos quanto se pensava, sugerindo que essa capacidade pode ter raízes evolutivas mais profundas do que se supunha anteriormente.
Evolução da linguagem
Uma implicação importante desta pesquisa é a visão que ela oferece sobre as raízes evolutivas da natureza composicional da linguagem. Se nossos primos bonobos dependem extensivamente da composicionalidade, assim como nós, então nosso último ancestral comum provavelmente também o fazia.
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Isso sugere que a capacidade de construir significados complexos a partir de unidades vocais menores já estava presente em nossos ancestrais há pelo menos 7 milhões de anos, se não antes. Essas novas descobertas indicam que, longe de ser exclusiva da linguagem humana, a composicionalidade provavelmente existia muito antes do surgimento dos humanos.
Mélissa Berthet, Doutora em biologia especializada em comportamento animal, Universidade de Zurique
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.