Dentes de 300.000 anos sugerem cruzamento entre Homo sapiens e Homo erectus.

Um novo estudo realizado por cientistas chineses e espanhóis analisaram dentes com cerca de 300 mil anos descobertos no sul da China e encontraram neles uma combinação inesperada de características primitivas e modernas. O achado reforça a ideia de que a Ásia foi palco de cruzamentos evolutivos complexos, muito além do que se supunha.
Os dentes foram escavados no sítio arqueológico de Hualongdong, na província de Anhui, e pertencem a um hominídeo ainda não identificado com precisão. O que mais chama atenção é a mistura de traços típicos do Homo erectus — como raízes dentárias robustas — com outros mais avançados, como terceiros molares pequenos e superfícies dentárias lisas, semelhantes às dos Homo sapiens.
Segundo os autores da pesquisa, publicada no Journal of Human Evolution, essa combinação anatômica indica que diferentes partes do corpo humano evoluíram em ritmos distintos. “É como se o relógio evolutivo funcionasse em velocidades diferentes”, observou María Martinón-Torres, coautora do estudo e diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre a Evolução Humana (CENIEH), na Espanha.
Além dos dentes, outros restos do mesmo indivíduo mostram o mesmo padrão híbrido: face parecida com a do Homo sapiens, mandíbula e membros mais próximos do Homo erectus. Isso sugere que os habitantes de Hualongdong pertenciam a uma linhagem distinta, provavelmente resultado de cruzamentos entre espécies arcaicas e grupos mais modernos.
Outro ponto que intriga os cientistas é a ausência de traços típicos de neandertais ou denisovanos nos fósseis. Isso pode indicar que os hominídeos de Hualongdong eram parte de uma linhagem até então desconhecida, paralela àquelas que deram origem aos humanos modernos.

Essa hipótese ganha força com descobertas recentes na região, como o Homo luzonensis (Filipinas), o Homo longi (norte da China) e o Homo juluensis (sul da China), todos datados entre 300 mil e 150 mil anos atrás. Juntas, essas evidências apontam para um cenário muito mais diverso na Ásia do que o imaginado pela paleoantropologia tradicional.
Os dentes analisados em Hualongdong, por exemplo, exibem padrões oclusais e sulcos nos pré-molares semelhantes aos do Homo sapiens, mesmo sendo muito mais antigos do que os primeiros fósseis reconhecidamente modernos fora da África. Isso sugere que traços típicos da nossa espécie podem ter surgido de forma independente, em diferentes regiões.
Para os pesquisadores, o achado é um lembrete de que a evolução humana não seguiu uma linha reta. “A descoberta de Hualongdong mostra que o continente asiático foi um verdadeiro laboratório evolutivo durante o Pleistoceno Médio”, disse José María Bermúdez de Castro, paleobiólogo e coautor do estudo.
Apesar das incertezas sobre a identidade exata desse hominídeo, o estudo reforça a importância de ampliar as escavações em sítios menos explorados da Ásia. Regiões como Panxian Dadong e Jinniushan também revelaram fósseis com características que não se encaixam facilmente nas categorias atuais.
Publicação: Wu, X., Martinón-Torres, M., Xing, S., Pei, S., Cai, Y., Tong, H., … Liu, W. (2025). The hominin teeth from the late Middle Pleistocene Hualongdong site, China. Journal of Human Evolution, 206(103727), 103727. doi:10.1016/j.jhevol.2025.103727