Descobertas Revelam Enterros Ritualísticos em Mina Pré-Histórica

No coração da Floresta de Krumlov, na região sul da Tchéquia, arqueólogos fizeram uma das descobertas mais intrigantes da pré-história europeia. Durante escavações em um antigo poço de mineração de sílex, surgiram os restos mortais de duas mulheres e um recém-nascido, cuidadosamente depositados a cerca de seis metros de profundidade.
A mina, ativa entre o Mesolítico e a Idade do Ferro, já era reconhecida como um dos maiores campos de extração de sílex da Europa. No entanto, esse achado, datado entre 4300 e 4050 a.C., levanta um questionamento: o que levou essas pessoas a serem enterradas em um poço de mineração?
Os esqueletos estavam dispostos em dois níveis dentro do poço. A mulher que estava no nível superior exibia sinais evidentes de uma vida de trabalho árduo, com vértebras deformadas, lesões ósseas e desgaste muscular incomum para seu porte físico.

Logo abaixo, foi encontrado o corpo da segunda mulher. Sobre seu tórax, repousava o crânio de um recém-nascido, com os pequenos ossos espalhados na região pélvica, sugerindo que a criança foi intencionalmente colocada ali no momento do sepultamento.
Junto aos corpos, havia também os restos de um cão — elemento frequentemente associado a práticas simbólicas ou rituais no contexto neolítico europeu.
Análises detalhadas revelaram que ambas tinham entre 30 e 40 anos e possuíam laços de parentesco direto — provavelmente irmãs. Elas eram pequenas para os padrões da época, medindo cerca de 148 cm e 146 cm, mas apresentavam marcas corporais que indicam musculatura desenvolvida e sobrecarga física, especialmente nas pernas, quadris e coluna.
As evidências osteológicas também revelam uma infância marcada por privações severas. As chamadas linhas de Harris nos ossos — cicatrizes de paradas de crescimento causadas por fome ou doenças — e defeitos no esmalte dentário são testemunhos das dificuldades que enfrentaram desde cedo.

Curiosamente, na vida adulta, sua dieta era rica em proteínas, incluindo carne em proporções mais elevadas do que o habitual para as comunidades neolíticas da região. Isso pode estar diretamente relacionado às exigências físicas do trabalho nas minas.
Os sinais de desgaste físico são contundentes. Uma das mulheres sofreu uma fratura no antebraço que nunca cicatrizou corretamente, formando uma pseudoartrose. Isso indica que, mesmo ferida, ela continuou trabalhando.
As duas exibiam sérias deformações na coluna, como hérnias fossilizadas (nódulos de Schmorl), espondilólise (ruptura nas arcadas vertebrais) e hipertrofia óssea nas inserções musculares, evidências de esforço repetitivo e prolongado.
Além disso, uma delas apresentava um pequeno tumor ósseo benigno no crânio e ambas sofriam de problemas periodontais. Foram encontradas também anomalias no ouvido, conhecidas como deiscências timpânicas, que embora não comprometessem sua audição, reforçam o padrão de traços anatômicos compartilhados entre as duas — mais uma confirmação de parentesco.
O posicionamento dos corpos, a presença do recém-nascido — que, segundo análises genéticas, não era filho de nenhuma das mulheres — e os restos do cão levantam fortes suspeitas de um sepultamento ritual.
Uma das hipóteses é de que esses corpos foram lançados ou depositados no poço como parte de um ritual de encerramento da atividade de mineração, prática documentada em outras culturas pré-históricas.
Outra possibilidade, ainda mais inquietante, sugere que essas mulheres poderiam ter sido vítimas de um sacrifício humano, relacionado a crenças espirituais sobre o subsolo e a ancestralidade.
O próprio ambiente da mina, com seus inúmeros poços abertos e abandonados, parece ter se transformado, ao longo dos séculos, em uma paisagem de caráter sagrado, onde vivos e mortos compartilhavam o mesmo espaço simbólico.

Muito além da descoberta dos ossos, o estudo permitiu que a ciência desse rosto a essas mulheres que viveram há mais de seis mil anos. A partir de escaneamentos 3D dos crânios, aliados à análise genética — que identificou características como a cor dos olhos — e parâmetros antropométricos, os pesquisadores reconstruíram suas feições com impressionante realismo.
Os resultados revelam traços distintos: uma das mulheres possuía olhos verdes ou castanhos claros, provavelmente acompanhados de cabelos escuros. A outra carregava olhos azuis e, possivelmente, cabelos mais claros — uma diversidade genética já presente nas populações neolíticas da Europa Central.
📚 Referência: Vaníčková, E., Vymazalová, K., Vargová, L., Tvrdý, Z., Oliva, M., Brzobohatá, K., Fialová, D., Skoupý, R., Krzyžánek, V., Nývltová Fišáková, M., & Drozdová, E. (2025). Ritual Burials in a Prehistoric Mining Shaft in the Krumlov Forest (Czechia). Archaeological and Anthropological Sciences, 17, Article 146. https://doi.org/10.1007/s12520-025-02251-1