Astrofísicos revelam ligação entre estrelas binárias e planeta retrógrado

Astrofísicos registram um caso singular que desafia os modelos clássicos de formação planetária: um planeta gigante orbitando em sentido contrário ao movimento de seu sistema estelar binário. A descoberta foi feita por uma equipe internacional de astrofísicos, liderada pelo professor Man Hoi Lee, da Universidade de Hong Kong, e publicada na revista Nature.
O sistema em questão é nu Octantis, localizado na constelação de Octans, a cerca de 69 anos-luz da Terra. Ele é composto por duas estrelas: uma subgigante chamada nu Oct A, com cerca de 1,6 massas solares, e sua companheira nu Oct B, que possui aproximadamente metade dessa massa.
O sinal de um possível planeta orbitando nu Oct A foi detectado pela primeira vez em 2004, durante o doutorado do Dr. David Ramm, na Nova Zelândia. As medições de velocidade radial revelaram uma oscilação periódica consistente com um planeta gigante — cerca de duas vezes a massa de Júpiter — orbitando a estrela com um período de 400 dias.
O que tornava essa possibilidade controversa era a estabilidade da órbita: ela só seria viável se o planeta se movesse em direção oposta à das duas estrelas — algo nunca antes observado.
Essa hipótese foi colocada à prova com novas observações de alta precisão obtidas por meio do espectrógrafo HARPS, instalado no telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), em La Silla, no Chile.
“Analisamos os dados novos e de arquivo, cobrindo 18 anos, e encontramos ajustes estáveis que exigem que a órbita do planeta seja retrógrada e quase coplanar com a órbita binária,” explicou Ho Wan Cheng, aluno de mestrado da HKU e autor principal do estudo.
Outro desafio da pesquisa foi entender a natureza da estrela secundária nu Oct B. Com sua massa relativamente baixa, ela poderia ser tanto uma estrela da sequência principal quanto uma anã branca — remanescente estelar resultante do colapso de uma estrela com massa similar à do Sol.
Para resolver essa dúvida, a equipe usou o instrumento SPHERE, de óptica adaptativa, acoplado ao Very Large Telescope do ESO. A ausência de detecção visual confirmou que nu Oct B é uma anã branca extremamente tênue.
“Descobrimos que o sistema tem cerca de 2,9 bilhões de anos e que nu Oct B tinha inicialmente cerca de 2,4 vezes a massa do Sol, evoluindo para uma anã branca há cerca de 2 bilhões de anos,” explicou Cheng.
“Nossa análise mostrou que o planeta não poderia ter se formado ao redor de nu Oct A ao mesmo tempo que as estrelas.”
A revelação de que nu Oct B é uma anã branca abriu caminho para novas hipóteses sobre a origem do planeta retrógrado. Segundo os pesquisadores, é possível que ele tenha se formado após a evolução estelar da companheira de nu Oct A.
“Quando nu Oct B evoluiu para anã branca há cerca de 2 bilhões de anos, o planeta pode ter se formado em um disco retrógrado de material ao redor de nu Oct A, formado pela massa ejetada de nu Oct B, ou pode ter sido capturado de uma órbita prógrada ao redor do sistema binário para uma órbita retrógrada ao redor de nu Oct A,” explicou o professor Man Hoi Lee.
A hipótese mais radical é que este seja o primeiro caso registrado de um planeta de segunda geração, ou seja, formado a partir dos restos de uma estrela que já passou por sua fase de colapso.
“Podemos estar testemunhando o primeiro caso convincente de um planeta de segunda geração: capturado ou formado a partir de material expelido por nu Oct B, que perdeu mais de 75% de sua massa original ao tornar-se uma anã branca,” acrescentou o Dr. Trifon Trifonov, coautor do artigo e pesquisador na Universidade de Heidelberg e na Universidade de Sofia.
A pesquisa envolveu uma combinação de métodos de observação e modelagem, essencial para lidar com a complexidade do sistema binário e suas interações gravitacionais.
“O segredo para essa descoberta empolgante foi o uso de vários métodos complementares para caracterizar o sistema por completo,” destacou a Dra. Sabine Reffert, também da Universidade de Heidelberg.
O estudo sobre nu Octantis reforça a importância de investigar sistemas binários — especialmente os que passaram por fases avançadas de evolução — como ambientes ricos para compreender formas alternativas de formação planetária. A presença de planetas com órbitas retrógradas nesses cenários pode indicar que o Universo é ainda mais criativo e imprevisível do que se imaginava.