IA generativa cria compostos que matam bactérias resistentes a medicamentos.

Anne Trafton | MIT News
Com a ajuda da inteligência artificial, pesquisadores do MIT desenvolveram novos antibióticos capazes de combater duas infecções de difícil tratamento: a Neisseria gonorrhoeae resistente a medicamentos e o Staphylococcus aureus multirresistente (MRSA).
Usando algoritmos de IA generativa, a equipe projetou mais de 36 milhões de compostos possíveis e os analisou computacionalmente para identificar propriedades antimicrobianas. Os principais candidatos encontrados apresentam estruturas diferentes de qualquer antibiótico existente e parecem agir por mecanismos inéditos que destroem as membranas celulares bacterianas.
Essa abordagem permitiu aos pesquisadores criar e avaliar compostos teóricos que nunca haviam sido observados antes — uma estratégia que eles agora esperam aplicar na identificação e no design de compostos ativos contra outras espécies bacterianas.
“Estamos entusiasmados com as novas possibilidades que este projeto abre para o desenvolvimento de antibióticos. Nosso trabalho mostra o poder da IA no design de medicamentos e nos permite explorar espaços químicos muito maiores, que antes eram inacessíveis”, afirma James Collins, professor Termeer de Engenharia e Ciência Médica no Instituto de Engenharia e Ciência Médica (IMES) e no Departamento de Engenharia Biológica do MIT.
Collins é o autor sênior do estudo, publicado na revista Cell. Os autores principais são a pós-doutoranda Aarti Krishnan, a ex-pós-doutoranda Melis Anahtar ’08 e Jacqueline Valeri, PhD ’23.
Explorando o espaço químico
Nos últimos 45 anos, apenas algumas dezenas de novos antibióticos foram aprovados pela FDA, e a maioria deles é composta por variações de medicamentos já existentes. Ao mesmo tempo, a resistência bacteriana a muitos desses fármacos vem crescendo. Estima-se que, globalmente, infecções bacterianas resistentes a medicamentos causem quase 5 milhões de mortes por ano.
Na tentativa de encontrar novos antibióticos para enfrentar esse problema crescente, Collins e outros pesquisadores do projeto Antibiotics-AI do MIT vêm utilizando IA para examinar vastas bibliotecas de compostos químicos já conhecidos. Esse trabalho já rendeu candidatos promissores, como halicin e abaucin.
Para avançar nessa linha, eles decidiram expandir a busca para moléculas inexistentes em qualquer biblioteca química. Usando IA para gerar moléculas hipoteticamente possíveis — mas ainda não descobertas —, os cientistas perceberam que seria possível explorar uma diversidade muito maior de compostos em potencial.
No novo estudo, eles adotaram duas abordagens:
- Baseada em fragmentos químicos: algoritmos de IA generativa criaram moléculas a partir de um fragmento específico com atividade antimicrobiana.
- Design livre: os algoritmos geraram moléculas sem qualquer fragmento obrigatório.
O caminho baseado em fragmentos
Na primeira abordagem, os pesquisadores buscavam moléculas capazes de matar a N. gonorrhoeae, bactéria Gram-negativa causadora da gonorreia. Para isso, montaram uma biblioteca de cerca de 45 milhões de fragmentos químicos conhecidos — combinações possíveis de 11 átomos (carbono, nitrogênio, oxigênio, flúor, cloro e enxofre) — incluindo fragmentos do espaço REAL da empresa Enamine.
Essa biblioteca foi então filtrada com modelos de aprendizado de máquina treinados no laboratório de Collins para prever atividade antibacteriana contra N. gonorrhoeae. O processo reduziu a lista para quase 4 milhões de fragmentos. Em seguida, foram eliminados aqueles com previsão de toxicidade para células humanas, com problemas químicos conhecidos ou semelhantes a antibióticos já existentes, restando cerca de 1 milhão de candidatos.
“Queríamos eliminar tudo o que se parecesse com antibióticos já conhecidos, para enfrentar a crise da resistência antimicrobiana de uma forma fundamentalmente diferente. Ao explorar áreas pouco estudadas do espaço químico, nosso objetivo era revelar mecanismos de ação inéditos”, explica Krishnan.
Após rodadas adicionais de experimentos e análises, os cientistas identificaram um fragmento promissor chamado F1. Esse fragmento serviu de base para a geração de novos compostos por dois algoritmos de IA generativa:
- CReM (Chemically Reasonable Mutations): parte de uma molécula com F1 e cria variantes adicionando, trocando ou removendo átomos e grupos químicos.
- F-VAE (Fragment-based Variational Autoencoder): constrói moléculas completas a partir de um fragmento, aprendendo padrões de modificação com base em um treinamento prévio em mais de 1 milhão de moléculas do banco ChEMBL.
Os dois métodos geraram cerca de 7 milhões de candidatos contendo F1. Após triagem computacional, restaram cerca de 1.000 compostos, dos quais 80 foram selecionados para síntese química. Apenas dois puderam ser sintetizados, e um deles — NG1 — mostrou-se altamente eficaz contra N. gonorrhoeae em testes laboratoriais e em modelo de infecção resistente a medicamentos em camundongos.
Experimentos adicionais revelaram que NG1 interage com a proteína LptA, um alvo inédito envolvido na síntese da membrana externa bacteriana. O composto parece matar as células ao interromper esse processo.
Design sem restrições
Na segunda abordagem, os pesquisadores deixaram a IA criar moléculas livremente, mirando agora a bactéria Gram-positiva S. aureus.
Novamente, usaram CReM e VAE para gerar moléculas, mas desta vez sem restrições, apenas respeitando regras químicas básicas de ligação atômica. Os modelos produziram mais de 29 milhões de compostos, filtrados com os mesmos critérios anteriores, mas ajustados para S. aureus. O processo reduziu o conjunto para cerca de 90 compostos.
Desses, 22 puderam ser sintetizados e testados, e seis apresentaram forte atividade antibacteriana contra cepas multirresistentes de S. aureus em laboratório. O melhor candidato — DN1 — conseguiu eliminar uma infecção de pele por MRSA em camundongos. Esses compostos também parecem atacar as membranas celulares bacterianas, mas de forma mais ampla, não restrita a uma única proteína.
A Phare Bio, organização sem fins lucrativos que também integra o Antibiotics-AI Project, está agora trabalhando na modificação de NG1 e DN1 para torná-los aptos a testes adicionais.
“Em colaboração com a Phare Bio, estamos explorando análogos e avançando os melhores candidatos em nível pré-clínico, por meio de química medicinal”, diz Collins. “Também estamos entusiasmados em aplicar as plataformas desenvolvidas pela Aarti e pela equipe a outros patógenos bacterianos de interesse, como Mycobacterium tuberculosis e Pseudomonas aeruginosa.”
A pesquisa recebeu financiamento parcial da Agência de Redução de Ameaças de Defesa dos EUA, dos Institutos Nacionais de Saúde, do Audacious Project, do Flu Lab, da Sea Grape Foundation, de Rosamund Zander e Hansjörg Wyss pela Wyss Foundation, além de um doador anônimo.
Reproduzido com permissão do MIT News.