Modelo de inteligência artificial prevê como moscas-das-frutas se formam, célula por célula

Durante as fases iniciais do desenvolvimento, tecidos e órgãos começam a se formar por meio do deslocamento, da divisão e do crescimento de milhares de células.
Agora, uma equipe de engenheiros do MIT desenvolveu uma forma de prever, minuto a minuto, como células individuais se dobram, se dividem e se reorganizam durante o estágio mais inicial de crescimento de uma mosca-das-frutas. No futuro, o novo método poderá ser aplicado para prever o desenvolvimento de tecidos, órgãos e organismos mais complexos. Ele também pode ajudar cientistas a identificar padrões celulares associados a doenças de início precoce, como asma e câncer.
Em um estudo publicado na revista Nature Methods, a equipe apresenta um novo modelo de inteligência artificial capaz de aprender e prever como determinadas características geométricas das células mudam ao longo do desenvolvimento da mosca-das-frutas. O modelo registra e acompanha propriedades como a posição de cada célula e se ela está em contato com células vizinhas em um determinado momento.
Os pesquisadores aplicaram o modelo a vídeos de embriões de mosca-das-frutas em desenvolvimento, cada um começando como um aglomerado de cerca de 5 mil células. Os resultados mostraram que o sistema conseguiu prever, com cerca de 90% de precisão, como cada uma dessas células se dobra, se desloca e se reorganiza, minuto a minuto, durante a primeira hora de desenvolvimento — período em que o embrião passa de uma forma lisa e uniforme para estruturas mais definidas.
“Essa fase inicial é conhecida como gastrulação e ocorre ao longo de aproximadamente uma hora, quando as células individuais se reorganizam em uma escala de minutos”, explica Ming Guo, autor do estudo e professor associado de engenharia mecânica no MIT. “Ao modelar com precisão esse período, podemos começar a entender como interações locais entre células dão origem a tecidos e organismos completos.”
Os pesquisadores esperam aplicar o modelo para prever o desenvolvimento celular em outras espécies, como peixes-zebra e camundongos, identificando padrões comuns entre diferentes organismos. A equipe também acredita que o método pode ser usado para detectar sinais iniciais de doenças, como a asma. O tecido pulmonar de pessoas asmáticas apresenta diferenças marcantes em comparação ao tecido saudável, mas ainda não se sabe exatamente como esse tecido se desenvolve desde o início — algo que o novo método pode ajudar a revelar.
“Tecidos asmáticos mostram comportamentos celulares diferentes quando observados ao vivo”, afirma Haiqian Yang, coautor do estudo e estudante de pós-graduação do MIT. “Acreditamos que nosso modelo pode capturar essas diferenças sutis e oferecer uma representação mais completa do comportamento dos tecidos, o que pode melhorar diagnósticos ou testes de novos medicamentos.”
O estudo tem como coautores Markus Buehler, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental do MIT; George Roy e Tomer Stern, da Universidade de Michigan; e Anh Nguyen e Dapeng Bi, da Universidade Northeastern.
Pontos e espumas
Cientistas normalmente modelam o desenvolvimento de um embrião de duas formas: como uma “nuvem de pontos”, em que cada ponto representa uma célula que se move ao longo do tempo; ou como uma “espuma”, em que as células são vistas como bolhas que se deslocam e deslizam umas sobre as outras, semelhantes à espuma de barbear.
Em vez de escolher apenas uma dessas abordagens, Guo e Yang decidiram combinar as duas.
“Existe um debate sobre qual dessas formas é melhor”, diz Yang. “Mas, na verdade, ambas representam a mesma estrutura básica. Ao combiná-las, conseguimos destacar melhor como as células estão conectadas e como essas conexões mudam ao longo do tempo.”
No centro do novo modelo está uma estrutura chamada de “grafo duplo”, que representa o embrião tanto como pontos em movimento quanto como bolhas interagindo. Essa dupla representação permite capturar informações detalhadas, como a posição do núcleo da célula, se ela está em contato com células vizinhas e se está se dobrando ou se dividindo em determinado momento.
Como prova de conceito, a equipe treinou o modelo para aprender como as células mudam durante a gastrulação da mosca-das-frutas.
“Nessa fase, o formato geral do embrião lembra um elipsoide, mas ocorrem movimentos intensos na superfície”, explica Guo. “Ele passa de completamente liso para a formação de várias dobras em diferentes direções. Queremos prever todas essas mudanças, momento a momento, célula por célula.”
Onde e quando
Para o estudo, os pesquisadores utilizaram vídeos de alta qualidade da gastrulação da mosca-das-frutas, obtidos por colaboradores da Universidade de Michigan. As gravações mostram uma hora inteira de desenvolvimento, com resolução suficiente para acompanhar células individuais. Além disso, os vídeos trazem marcações detalhadas das bordas e dos núcleos celulares — dados raros e difíceis de obter.
“Esses vídeos são extremamente detalhados”, diz Yang. “É raro ter imagens tridimensionais de todo o embrião com resolução submicrométrica e alta taxa de quadros.”
O modelo foi treinado com dados de três dos quatro vídeos disponíveis e, depois, testado em um vídeo totalmente novo. Mesmo assim, conseguiu prever com alta precisão como a maioria das 5 mil células do embrião mudava de um minuto para o outro.
Especificamente, o sistema conseguiu prever se uma célula iria se dobrar, se dividir ou continuar conectada a uma célula vizinha, com cerca de 90% de acerto.
“Não prevemos apenas se algo vai acontecer, mas também quando”, explica Guo. “Por exemplo, se uma célula vai se separar de outra em sete ou oito minutos — conseguimos estimar esse momento.”
Segundo a equipe, o modelo pode, em princípio, ser aplicado ao desenvolvimento celular de sistemas mais complexos, incluindo alguns tecidos e órgãos humanos. O principal desafio, porém, é a disponibilidade de dados de vídeo de alta qualidade.
“Do ponto de vista do modelo, ele está pronto”, afirma Guo. “O grande gargalo é a qualidade dos dados. Se tivermos boas imagens de tecidos específicos, o método pode ser aplicado diretamente.”
O estudo contou com apoio parcial dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.
Reproduzido com permissão do MIT News






