Sam Baron, Universidade de Melbourne
Você pode duvidar de quase tudo. Mas há algo de que você pode ter certeza: você está tendo pensamentos agora mesmo.
Essa ideia passou a caracterizar o pensamento filosófico do filósofo do século XVII René Descartes. Para Descartes, o fato de termos pensamentos pode ser a única coisa da qual podemos ter certeza.
Mas o que exatamente são os pensamentos? Esse é um mistério que há muito tempo intriga filósofos como Descartes – e que ganhou nova relevância com o avanço da inteligência artificial, à medida que especialistas tentam descobrir se as máquinas podem realmente pensar.

Duas escolas de pensamento
Existem duas respostas principais para a questão filosófica sobre o que são os pensamentos.
A primeira é que os pensamentos podem ser coisas materiais. Eles seriam como átomos, partículas, gatos, nuvens e gotas de chuva: parte integrante do universo físico. Essa posição é conhecida como fisicalismo ou materialismo.
A segunda visão é que os pensamentos podem estar separados do mundo físico. Eles não são como átomos, mas sim um tipo de entidade completamente distinta. Essa visão é chamada de dualismo, pois considera que o mundo possui uma natureza dupla: mental e física.
Para entender melhor a diferença entre essas perspectivas, considere um experimento mental.
Suponha que Deus esteja criando o mundo do zero. Se o fisicalismo for verdadeiro, então tudo o que Deus precisa fazer para produzir pensamentos é construir os componentes físicos básicos da realidade – as partículas fundamentais – e estabelecer as leis da natureza. Os pensamentos surgiriam como consequência.
No entanto, se o dualismo for verdadeiro, então simplesmente estabelecer as leis e os componentes físicos da realidade não será suficiente para produzir pensamentos. Será necessário adicionar alguns aspectos não físicos à realidade, pois os pensamentos seriam algo além de todos os componentes físicos.
Por que ser materialista?
Se os pensamentos são físicos, que tipo de coisas físicas eles seriam? Uma resposta plausível é que eles são estados cerebrais.
Essa explicação fundamenta grande parte da neurociência e da psicologia contemporâneas. De fato, é a aparente conexão entre o cérebro e os pensamentos que torna o materialismo uma visão plausível.
Há muitas correlações entre nossos estados cerebrais e nossos pensamentos. Certas regiões do cérebro previsivelmente se “iluminam” quando alguém sente dor ou quando pensa sobre o passado ou o futuro.
O hipocampo, localizado próximo ao tronco cerebral, parece estar ligado ao pensamento criativo e imaginativo, enquanto a área de Broca, no hemisfério esquerdo, parece estar associada à fala e à linguagem.
O que explica essas correlações? Uma resposta é que nossos pensamentos simplesmente são variações dos estados do cérebro. Se essa explicação estiver correta, ela fortalece a visão materialista.
Por que ser dualista?
Dito isso, as correlações entre estados cerebrais e pensamentos são apenas isso: correlações. Não temos uma explicação de como os estados cerebrais – ou quaisquer estados físicos, nesse caso – dão origem ao pensamento consciente.
Existe uma correlação bem conhecida entre riscar um fósforo e ele acender. Mas, além da correlação, também temos uma explicação para o motivo pelo qual o fósforo se acende quando é riscado. O atrito causa uma reação química na cabeça do fósforo, que leva à liberação de energia.
Não temos uma explicação comparável para a relação entre pensamentos e estados cerebrais. Afinal, parece haver muitas coisas físicas que não possuem pensamentos. Não sabemos por que estados cerebrais dão origem a pensamentos, enquanto cadeiras, por exemplo, não.

A cientista das cores
A coisa de que temos mais certeza – que temos pensamentos – ainda é completamente inexplicável em termos físicos. E isso não é por falta de esforço. A neurociência, a filosofia, a ciência cognitiva e a psicologia têm trabalhado arduamente para desvendar esse mistério.
Mas a situação pode ser ainda pior: talvez nunca sejamos capazes de explicar como os pensamentos surgem dos estados neurais. Para entender o motivo, considere este famoso experimento mental do filósofo australiano Frank Jackson.
Mary vive toda a sua vida em um quarto preto e branco. Ela nunca experimentou cores. No entanto, ela tem acesso a um computador que contém uma descrição completa de todos os aspectos físicos do universo, incluindo todos os detalhes físicos e neurológicos sobre a experiência das cores. Ela aprende tudo isso.
Um dia, Mary sai do quarto e experimenta cores pela primeira vez. Ela aprende algo novo?
É muito tentador pensar que sim: ela aprende como é experimentar cores. Mas lembre-se, Mary já conhecia todos os fatos físicos sobre o universo. Então, se ela aprende algo novo, deve ser algum fato não físico. Além disso, o fato que ela aprende vem por meio da experiência, o que significa que deve haver algum aspecto não físico na experiência.
Se você acredita que Mary aprende algo novo ao sair do quarto, então precisa aceitar que o dualismo é verdadeiro de alguma forma. E, se for esse o caso, não podemos fornecer uma explicação dos pensamentos apenas em termos das funções cerebrais, ou pelo menos é o que os filósofos argumentam.
Mentes e máquinas
Resolver a questão sobre o que são os pensamentos não responderá completamente à questão de se as máquinas podem pensar, mas ajudaria.
Se os pensamentos são físicos, então, em princípio, não há razão para que máquinas não possam pensar.
Se os pensamentos não são físicos, no entanto, não está claro se as máquinas poderiam pensar. Seria possível conectá-las ao não físico da maneira correta? Isso dependeria de como os pensamentos não físicos se relacionam com o mundo físico.
De qualquer forma, perseguir a questão sobre o que são os pensamentos provavelmente terá implicações significativas para a maneira como pensamos sobre a inteligência artificial e nosso lugar na natureza.
Sam Baron, Professor Associado de Filosofia da Ciência, Universidade de Melbourne
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.