A mais antiga oficina de joias de conchas da Europa Ocidental

Arqueólogos anunciaram uma descoberta que pode mudar o entendimento sobre as origens da arte e da expressão simbólica na pré-história. Em Saint-Césaire, no sudoeste da França, foi identificado o que seria o mais antigo ateliê de joias de conchas da Europa Ocidental, datado de pelo menos 42 mil anos.
O sítio, conhecido como La Roche-à-Pierrot, revelou dezenas de conchas perfuradas da espécie Littorina obtusata, algumas tingidas com pigmentos vermelhos e amarelos. Segundo os especialistas, não se trata apenas de adereços isolados, mas de um verdadeiro espaço de produção de ornamentos.
A análise mostrou que as conchas vieram da costa atlântica, a cerca de 100 km de distância, enquanto os pigmentos foram obtidos em depósitos localizados a mais de 40 km. Para os pesquisadores, essa mobilidade indica que os grupos humanos da época já mantinham redes de troca ou realizavam longos deslocamentos.

O achado está associado à cultura Châtelperroniana, presente na França e no norte da Espanha entre 55 mil e 42 mil anos atrás — um período marcado pela chegada do Homo sapiens à região e pelo declínio gradual dos últimos neandertais. Até hoje, os objetos mais comuns desse contexto eram ferramentas de osso e adornos feitos de dentes de animais. As joias de concha, portanto, representam uma novidade no repertório simbólico da época.
A descoberta também toca em um dos grandes debates da arqueologia: quem produziu esses ornamentos? Foram neandertais que absorveram novos costumes culturais ou humanos modernos que trouxeram essa prática da África? Para os cientistas, a oficina de Saint-Césaire sugere contato direto e troca de saberes entre os dois grupos, revelando uma convivência mais complexa do que se imaginava.
Além das joias, o sítio arqueológico já é famoso por ter revelado, em 1979, um dos esqueletos de neandertal mais bem preservados encontrados na Europa. Hoje, o local é considerado um verdadeiro “laboratório natural” para compreender como diferentes grupos humanos viveram, interagiram e se transformaram ao longo de quase 30 mil anos de ocupação.

Os resultados, publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), envolvem a colaboração de onze laboratórios franceses e contam com o apoio de instituições como o CNRS e a Université de Bordeaux.
Para os especialistas, a oficina de joias de conchas não é apenas um achado curioso, mas uma prova de que o impulso criativo e a necessidade de simbolizar a identidade já estavam profundamente enraizados na mente humana há dezenas de milhares de anos.
Mais informações: https://doi.org/10.1073/pnas.2508014122