Pesquisadores descobriram que peixes que habitam as extremas profundezas oceânicas desenvolveram a mesma mutação genética, mesmo tendo evoluído de maneira independente e em períodos distintos. Esse fenômeno é um exemplo notável de evolução convergente, onde organismos não relacionados compartilham adaptações semelhantes diante de desafios ambientais parecidos.
O estudo também revelou a presença alarmante de poluentes industriais em peixes e no solo da Fossa das Marianas, um dos pontos mais profundos da Terra, sugerindo que substâncias tóxicas produzidas pelo homem podem alcançar até as regiões mais remotas e inexploradas do planeta.
Esses peixes, que enfrentam pressões esmagadoras, temperaturas congelantes e escuridão quase total, desenvolveram adaptações extraordinárias para sobreviver em um ambiente tão hostil. Entre essas adaptações estão estruturas esqueléticas diferenciadas, ritmos circadianos alterados e uma visão incrivelmente adaptada à baixa luminosidade — ou, em alguns casos, uma dependência de sentidos não visuais.
No estudo, publicado em 6 de março na revista Cell, os cientistas analisaram o DNA de 11 espécies de peixes que habitam a zona hadal, a região a partir de 6.000 metros de profundidade. O objetivo era entender como essas espécies se adaptaram a condições tão extremas. Para coletar as amostras, foram usados submarinos tripulados e veículos operados remotamente em profundidades variando entre 1.200 e 7.700 metros, na Fossa das Marianas e em outras fossas do Oceano Índico.
Ao investigar a evolução desses peixes, os cientistas descobriram que as oito linhagens estudadas chegaram a essas profundezas em momentos diferentes. As primeiras a se adaptar ao ambiente profundo provavelmente chegaram no início do Cretáceo, há cerca de 145 milhões de anos. Outras espécies se estabeleceram mais recentemente, durante o Paleógeno (66 a 23 milhões de anos atrás) e o Neógeno (23 a 2,6 milhões de anos atrás).
O que chamou a atenção dos cientistas foi o fato de que todos os peixes estudados que vivem abaixo de 3.000 metros de profundidade apresentaram uma mutação no gene Rtf1, responsável pela codificação e expressão do DNA. Essa mutação ocorreu pelo menos nove vezes de forma independente nas linhagens analisadas, destacando a resposta adaptativa das espécies às condições extremas do fundo do mar.
Segundo Kun Wang, ecólogo da Universidade Politécnica do Noroeste, esse achado reforça a ideia de que a evolução no fundo do mar é moldada pelas condições específicas do ambiente, e não por um ancestral evolutivo comum.
O ictiólogo Ricardo Betancur, da Universidade da Califórnia, destacou a relevância do estudo: “Os peixes de águas profundas, mesmo originando-se de ramos evolutivos bem distintos, desenvolveram adaptações genéticas semelhantes para sobreviver ao ambiente extremamente hostil do oceano profundo — frio, escuro e de alta pressão.” Ele observa que isso ilustra como a evolução encontra soluções semelhantes para problemas semelhantes.
Além disso, as expedições revelaram a presença de poluentes industriais na Fossa das Marianas e na Fossa das Filipinas. Bifenilos policlorados, substâncias químicas usadas em equipamentos elétricos e eletrodomésticos até a década de 1970, foram encontrados nos tecidos de fígado de snailfish da zona hadal. Produtos químicos retardantes de chama, como éteres difenílicos polibromados, também foram detectados em amostras de sedimentos extraídas de mais de 10.000 metros de profundidade, revelando o alcance dos poluentes no oceano.
Essas descobertas, somadas a pesquisas anteriores sobre a presença de microplásticos e outros poluentes na Fossa das Marianas, sublinham os impactos da atividade humana, mesmo nas regiões mais remotas e inexploradas do planeta.