Óvulos humanos criados a partir de células da pele

A infertilidade atinge milhões de pessoas em todo o mundo, sendo frequentemente associada à ausência de gametas funcionais. Nas mulheres, a queda progressiva da qualidade e da quantidade de oócitos após os 35 anos é um dos principais fatores.
Para pacientes sem gametas viáveis, os tratamentos convencionais de fertilização in vitro (FIV) são ineficazes, restando como única alternativa o uso de doadores. Nesse contexto, a gametogênese in vitro (IVG) surge como uma estratégia promissora, permitindo a obtenção de óvulos ou espermatozoides a partir de células somáticas do próprio paciente.
Um estudo recente publicado na Nature Communications propôs um avanço notável nesse campo ao explorar uma técnica experimental chamada mitomeiose. O trabalho, liderado por Shoukhrat Mitalipov e colaboradores, investigou como a transferência nuclear de células somáticas (SCNT, do inglês somatic cell nuclear transfer) poderia ser adaptada para induzir divisões celulares capazes de reduzir a ploidia cromossômica, um requisito essencial para a formação de gametas funcionais.
Durante a reprodução natural, os gametas humanos passam por um processo de meiose que reduz o número de cromossomos à metade, garantindo que a fusão entre óvulo e espermatozoide restabeleça a diploidia (46 cromossomos). No entanto, quando núcleos de células somáticas são transferidos para oócitos enucleados, como ocorre na SCNT, o resultado inicial é um embrião diploide. Isso inviabiliza a fertilização natural, pois levaria a uma condição de triploidia.
A mitomeiose surge justamente para contornar esse problema. A técnica consiste em forçar um núcleo somático em estado G0/G1 (2n2c), ou seja, sem duplicação prévia do DNA, a entrar prematuramente em metáfase dentro do citoplasma de um oócito humano enucleado. Assim, o genoma somático é induzido a passar por uma divisão “redutiva” semelhante à meiose, ainda que sem todos os mecanismos naturais de recombinação.

Os pesquisadores observaram que os oócitos reconstruídos com núcleos somáticos conseguiam formar fusos bipolares, mas não respondiam adequadamente à ativação induzida por espermatozoides.
Para superar essa limitação, foi necessário recorrer a uma ativação artificial por meio da combinação de eletroporação com roscovitina, um inibidor seletivo de quinases dependentes de ciclina. Esse protocolo permitiu a extrusão de corpúsculos polares e a formação de pró-núcleos, sinalizando que a segregação cromossômica havia ocorrido.
A análise detalhada do conteúdo cromossômico revelou que, em média, 23 cromossomos somáticos eram retidos no zigoto, número equivalente ao esperado para um gameta humano. No entanto, diferentemente da meiose natural, a segregação foi aleatória e não houve recombinação entre cromossomos homólogos. Mesmo assim, os embriões derivados desses zigotos foram capazes de iniciar divisões mitóticas e, em alguns casos, atingir o estágio de blastocisto.
Embora o estudo demonstre a viabilidade de induzir uma divisão redutiva artificial em células humanas, diversas limitações ainda precisam ser superadas antes que a técnica possa ter aplicações clínicas. Entre elas, destacam-se:
- Ausência de recombinação meiótica: essencial para a diversidade genética e a correta segregação dos cromossomos.
- Aneuploidias frequentes: resultantes da distribuição aleatória dos cromossomos.
- Baixa taxa de desenvolvimento embrionário: apenas 8,8% dos embriões SCNT fertilizados chegaram a blastocistos.
- Possíveis falhas de reprogramação epigenética: que podem comprometer a viabilidade a longo prazo.
Ainda assim, o conceito de mitomeiose abre caminho para avanços na produção de gametas artificiais humanos. Se refinada, essa abordagem poderia oferecer novas alternativas de tratamento para a infertilidade, especialmente em casos nos quais não há gametas disponíveis. Além disso, fornece um modelo experimental valioso para investigar os mecanismos fundamentais da meiose e da reprogramação celular.
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🔬 Referência:
Gutierrez, N. M. et al. Induction of experimental cell division to generate cells with reduced chromosome ploidy. Nature Communications (2025). DOI: 10.1038/s41467-025-63454-7