Estudo com Vermes Revela Papel Crucial da Dopamina na Memória

Adelaide, Austrália – Uma pesquisa inovadora conduzida por cientistas da Flinders University, na Austrália, lançou nova luz sobre o complexo processo do esquecimento, revelando que a dopamina, um neurotransmissor amplamente conhecido por seu papel no prazer e na recompensa, desempenha uma função ativa e crucial na capacidade de um organismo de esquecer memórias de curto prazo. O estudo, publicado no Journal of Neurochemistry, utilizou o nematoide Caenorhabditis elegans como modelo para desvendar os mecanismos moleculares por trás desse processo.
Tradicionalmente, o esquecimento era visto como uma falha passiva na recuperação de informações. No entanto, esta pesquisa, liderada pela Dra. Yee Lian Chew e sua equipe, demonstra que o esquecimento é, na verdade, um processo ativo e regulado. Os resultados indicam que a ausência de dopamina em C. elegans leva a uma retenção de memória significativamente mais longa e até mesmo a uma modesta melhora no aprendizado inicial. Vermes geneticamente modificados para não produzir dopamina conseguiram reter memórias associativas por pelo menos duas horas após o treinamento, um período estendido em comparação com seus pares normais.

“O esquecimento é considerado essencial para remover memórias irrelevantes e aumentar a capacidade de codificar novas memórias. Portanto, identificar os principais reguladores do esquecimento ativo é crucial para avançar nossa compreensão da neuroplasticidade.”
Trecho do artigo Dopaminergic Modulation of Short-Term Associative Memory in Caenorhabhabditis elegans.
Neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de se reorganizar e reestruturar, formando novas conexões neurais e adaptando-se a novas experiências, mudanças ambientais ou lesões.
O estudo aprofundou-se nos mecanismos moleculares, identificando que os receptores de dopamina do tipo D2, especificamente DOP-2 e DOP-3, trabalham em conjunto para modular o processo de esquecimento. Curiosamente, o receptor DOP-1, do tipo D1, parece ter uma função redundante neste contexto. Além disso, a pesquisa sugere que a liberação de dopamina de todos os neurônios dopaminérgicos é necessária para regular o esquecimento, indicando uma ação mais abrangente do neurotransmissor.
Essas descobertas têm implicações profundas para a compreensão da neuroplasticidade e podem ser relevantes para a saúde humana. O papel da dopamina no esquecimento já havia sido observado em outras espécies, como a mosca-da-fruta (Drosophila), sugerindo uma conservação evolutiva desse mecanismo. A pesquisa aponta para uma possível conexão com condições onde há desequilíbrios de dopamina, como a Doença de Parkinson, e com o processo de retenção de memória durante o envelhecimento saudável. Compreender como o esquecimento é regulado pode abrir caminho para novas estratégias terapêuticas para distúrbios cognitivos.
Metodologia
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores utilizaram ensaios de aprendizado associativo com butanona, um odor que os vermes foram condicionados a associar com comida. Foram empregadas linhagens mutantes de C. elegans com deficiências na síntese de dopamina (genes cat-2 e dat-1) e em seus receptores (dop-1, dop-2, dop-3). O aprendizado foi avaliado imediatamente após o treinamento, e a retenção da memória foi monitorada em intervalos de 30 minutos por até duas horas.
🔬 Referência:
McMillen, A., Minervini, C., Green, R., Johnson, M. E., Ansaar, R., & Chew, Y. L. (2025). Dopaminergic Modulation of Short-Term Associative Memory in Caenorhabditis elegans. Journal of Neurochemistry, 169:e70200. Disponível em: doi.org/10.1111/jnc.70200