Risco oculto de diabetes identificado por IA

Um novo estudo liderado por pesquisadores do Scripps Research Translational Institute está desafiando a maneira tradicional como diagnosticamos e monitoramos o diabetes tipo 2. Publicado na Nature Medicine, o estudo revela que picos de glicose não são exclusivos de pessoas com diabetes. Mesmo indivíduos considerados saudáveis podem ter variações preocupantes, que passam despercebidas em exames convencionais como o de hemoglobina glicada (HbA1c).
A pesquisa usou um modelo baseado em inteligência artificial e dados multimodais — como padrões de sono, alimentação, batimentos cardíacos, microbioma intestinal e atividade física — para entender o comportamento da glicose em diferentes perfis metabólicos. A conclusão: há uma grande variação entre indivíduos com o mesmo valor de HbA1c, o que indica que esse exame sozinho pode ser insuficiente para identificar riscos.
Dos 1.137 voluntários, 347 foram acompanhados de forma intensiva com sensores de glicose contínuos, smartwatches, diários alimentares e coleta de amostras biológicas em casa. Essa abordagem permitiu registrar com precisão os chamados “picos de glicose” — definidos como aumentos de ao menos 30 mg/dL em até 90 minutos.
A análise mostrou que pessoas com pré-diabetes já apresentam alterações significativas nesses picos, embora mais semelhantes aos normais do que aos observados em quem tem diabetes tipo 2. Entre os indicadores que mais variaram entre os grupos estavam o tempo necessário para que a glicose voltasse ao normal e a frequência de hipoglicemia noturna.
Um dos achados mais intrigantes foi a relação entre diversidade do microbioma intestinal e controle glicêmico. Quanto maior a diversidade de bactérias no intestino, menores eram os níveis médios de glicose e o tempo em hiperglicemia. Além disso, indivíduos com maior frequência cardíaca em repouso demoravam mais para estabilizar os picos.

Outro dado relevante foi a correlação entre ingestão de carboidratos e os valores máximos dos picos de glicose. Mais surpreendente ainda: quem consumia mais carboidratos diariamente tendia a “absorver” esses picos mais rapidamente — possivelmente por adaptação metabólica.
A prática regular de atividade física teve impacto positivo em quase todos os indicadores analisados. Pessoas mais ativas apresentaram níveis médios de glicose mais baixos e menor tempo em hiperglicemia, independentemente do diagnóstico clínico. O mesmo foi observado, em menor grau, com padrões de sono mais consistentes.
O modelo de IA criado pelos pesquisadores foi capaz de classificar com alta precisão quem tinha diabetes tipo 2 e quem não tinha, com base em múltiplos dados de saúde — não apenas exames de sangue. Aplicado em grupos com pré-diabetes, ele identificou perfis de risco que não seriam detectados pelo HbA1c.
Para os autores, essa abordagem multimodal pode representar uma virada no cuidado preventivo do diabetes. Ao oferecer uma visão mais detalhada e individualizada, ela permite detectar riscos precocemente e orientar intervenções personalizadas — desde mudanças na dieta até ajustes no sono e na rotina de exercícios.