Turbulência supersônica e as primeiras estrelas do Universo

Imagine o Universo logo após o Big Bang: frio, escuro e composto quase inteiramente por hidrogênio e hélio. Foi nesse ambiente simples e extremo que surgiram as primeiras estrelas, conhecidas como estrelas da População III. Mas até hoje, os cientistas ainda tentam entender exatamente como esse nascimento estelar aconteceu.
Agora, um estudo recente liderado por pesquisadores da Academia Sinica, em Taiwan, traz uma nova peça para esse quebra-cabeça cósmico: a turbulência supersônica.
“Nosso trabalho mostra que a turbulência não apenas estava presente nos primeiros halos, mas era intensa o suficiente para fragmentar nuvens de gás em vários núcleos densos”, explica o astrofísico Ke-Jung Chen, coautor da pesquisa.
A equipe analisou a formação de 15 minihalos — pequenas concentrações de matéria escura com massas entre 100 mil e 10 milhões de vezes a massa do Sol — que se formaram entre 100 e 200 milhões de anos após o Big Bang.
Esses halos atraíram gás primordial para seus centros. Mas ao contrário do que se pensava antes, esse processo não foi suave. As simulações mostram que o gás foi puxado de forma caótica, gerando correntes de alta velocidade que colidiram entre si e criaram turbulência supersônica — com velocidades até 35 vezes maiores que a do som.
Essa turbulência não é só um detalhe. Ela foi essencial para quebrar as nuvens de gás em pedaços menores, criando aglomerados densos que logo entraram em colapso gravitacional, o primeiro passo para formar uma estrela.

Com base nessas simulações ultra detalhadas, os cientistas observaram que cada halo formou ao menos um desses aglomerados densos — e muitos formaram vários. As massas desses aglomerados variam de cerca de 2 até 66 massas solares. Isso ajuda a explicar por que algumas estrelas da População III, inferidas indiretamente por meio de estrelas muito pobres em metais, parecem ser bem menores do que se imaginava.
“O fato de identificarmos múltiplos aglomerados indica que o colapso não foi esférico e isolado, como muitos modelos anteriores sugeriram”, explica Pei-Cheng Tung, coautor do estudo. “Foi um processo fragmentado, e isso muda a forma como estimamos a massa das primeiras estrelas.”
A média do número de Mach — que compara a velocidade do gás à velocidade do som — ficou entre 2 e 5 nas simulações. Quanto maior a massa do halo, maior era essa relação, mostrando que a gravidade mais intensa puxava o gás com mais força, gerando mais turbulência.
E sim, isso tem implicações reais para a astronomia moderna: essas novas descobertas podem ajudar a prever onde e como o Telescópio Espacial James Webb poderá encontrar sinais das primeiras estrelas do Universo.
O estudo completo está disponível no arXiv.