A energia escura é uma pedra angular da cosmologia contemporânea, sendo fundamental para explicar a expansão acelerada do Universo. No modelo padrão, ela é caracterizada por uma constante cosmológica dentro da relatividade geral, integrando a energia escura na própria estrutura do espaço-tempo. No entanto, à medida que mais dados observacionais são acumulados, surgem desafios a esse modelo. Um dos problemas mais destacados é a tensão de Hubble — discrepâncias na taxa medida de expansão cósmica dependendo do método observacional. Outra complicação surge da suposição de que a energia escura está distribuída uniformemente pelo cosmos, algo que algumas evidências sugerem não ser verdade. Agora, um novo estudo provocativo desafia totalmente a base desse conceito, afirmando que a energia escura, como a entendemos, pode não existir.
Vamos começar com o que sabemos. Observando o cosmos ao longo de bilhões de anos-luz, encontramos a matéria agrupada em galáxias, que por sua vez formam aglomerados separados por vastos vazios. Em escalas menores, isso revela uma distribuição desigual da matéria. Contudo, quando observado em escalas maiores — aproximadamente um bilhão de anos-luz —, a distribuição se torna homogênea, resultando em um Universo uniforme e sem viés em nenhuma direção específica. Essa uniformidade em larga escala sustenta o princípio da homogeneidade, que afirma que o Universo é amplamente o mesmo em qualquer lugar. Aplicando esse princípio à expansão cósmica, os cientistas utilizam a métrica de Friedmann–Lemaître–Robertson–Walker (FLRW), um modelo em que a energia escura é representada como uma constante cosmológica.
Críticos do modelo padrão questionam a aplicação do princípio da homogeneidade à expansão cósmica. Alguns até desafiam se os princípios fundamentais da relatividade geral se mantêm em escalas cósmicas. Uma alternativa, o modelo Timescape, argumenta que a energia escura contradiz o princípio da equivalência, que afirma a igualdade entre energia inercial e gravitacional, tornando impossível distinguir a expansão cósmica como um fenômeno físico.
O modelo Timescape também destaca o impacto dos campos gravitacionais no fluxo do tempo. Ele propõe que o Universo não pode ser homogêneo no tempo, já que os relógios nos poços gravitacionais de aglomerados galácticos funcionariam mais lentamente do que aqueles nos vastos vazios cósmicos. Ao longo de bilhões de anos, essa divergência no tempo se acumularia, criando uma variação temporal em todo o cosmos. Segundo o modelo, essa diferença na passagem do tempo poderia explicar a aparência observada da expansão cósmica, sem a necessidade de invocar a energia escura.
Neste estudo recente, os pesquisadores analisaram o conjunto de dados Pantheon+ de supernovas do tipo Ia para determinar se ele se alinha mais com o modelo cosmológico padrão ou com o modelo Timescape. A principal diferença entre esses modelos está na interpretação da expansão cósmica: o modelo padrão exige que a expansão seja uniforme, enquanto o modelo Timescape afirma que ela não pode ser uniforme devido a variações temporais.
A equipe descobriu que os dados do Pantheon+ sustentam ambos os modelos, mas com uma leve preferência pelo modelo Timescape. Isso sugere que os dados estão mais alinhados com a ideia de que a energia escura pode ser uma ilusão. No entanto, a diferença não é significativa o suficiente para descartar definitivamente o modelo padrão, mantendo o debate aberto para investigações futuras.
Se observações futuras continuarem favorecendo o modelo Timescape, isso poderá transformar profundamente nossa compreensão do Universo. Contudo, é preciso cautela. Primeiro, o modelo Timescape é apenas uma entre muitas alternativas ao modelo cosmológico padrão, e este estudo não aborda essas outras possibilidades. Além disso, o próprio modelo Timescape possui desafios internos não resolvidos que precisam ser enfrentados antes de substituir o modelo padrão.
Ainda assim, os achados destacam um ponto importante: o modelo padrão pode não ser tão definitivo quanto se pensava. A astronomia está entrando em uma era empolgante, com avanços e observações que prometem expandir significativamente nossa compreensão do cosmos nos próximos anos.
Referência: Seifert, Antonia, et al. “Supernovae evidence for foundational change to cosmological models.” Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: Letters 537.1 (2025): L55-L60.
Referência: Wiltshire, David L. “Cosmic clocks, cosmic variance and cosmic averages.” New Journal of Physics 9.10 (2007): 377.