O Dodô, um pássaro extinto há séculos, continua a ser objeto de fascínio e estudo científico. Um novo artigo intitulado “The systematics and nomenclature of the Dodo and the Solitaire (Aves: Columbidae), and an overview of columbid family-group nomina”, publicado em 16 de agosto de 2024 no Zoological Journal of the Linnean Society, fornece uma análise detalhada da taxonomia e da história dessas aves icônicas. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Southampton, do Museu de História Natural (NHM) e do Museu de História Natural da Universidade de Oxford, que realizaram uma revisão abrangente da literatura científica sobre o Dodô e seu parente próximo, o Rodriguez Island Solitaire, acumulada ao longo de 400 anos.
“O Dodô foi a primeira criatura viva que foi registrada como presente e depois desapareceu”, diz o Dr. Neil Gostling, da Universidade de Southampton, autor supervisor do artigo. “Antes disso, não se imaginava que os seres humanos pudessem influenciar a criação de Deus dessa forma.” O estudo ressalta que, na época da extinção dessas aves, não havia os princípios e sistemas científicos modernos que usamos para classificar as espécies. “Tanto o Dodô quanto o Solitaire desapareceram antes que tivéssemos a chance de entender o que estávamos vendo”, acrescenta o Dr. Gostling.
Os pesquisadores ressaltam que muito do que se sabe sobre o Dodô e o Solitaire foi baseado em relatos de marinheiros holandeses, representações artísticas e restos mortais incompletos. Essa falta de informações confiáveis levou a identificações errôneas ao longo dos séculos. Novas espécies, como o “Dodô Nazareno” e o “Dodô Branco”, foram erroneamente nomeadas, mas o artigo confirma que essas criaturas nunca existiram.
“No século 18 e no início do século 19, o Dodô e a Solitaire eram considerados animais mitológicos”, diz o Dr. Mark Young, principal autor do artigo. “Foi o trabalho árduo dos cientistas da era vitoriana que finalmente provou que o Dodô e a Solitaire não eram mitológicos, mas pombas terrestres gigantes.”
No entanto, mesmo após essa descoberta, a comunidade científica teve dificuldades para chegar a um consenso sobre quantas espécies existiam. “Durante a maior parte dos séculos XIX e XX, os pesquisadores pensavam que havia três espécies diferentes, embora algumas pessoas pensassem que havia quatro ou até cinco espécies diferentes”, continua o Dr. Young. Para esclarecer essa confusão, os pesquisadores analisaram toda a literatura disponível sobre o Dodô e o Rodriguez Solitaire, bem como visitaram coleções de museus no Reino Unido, incluindo o único tecido mole sobrevivente do Dodô no Museu de Oxford.
“Já se escreveu mais sobre o Dodô do que sobre qualquer outra ave, mas praticamente nada se sabe sobre sua vida”, diz o Dr. Julian Hume, paleontólogo de aves do Museu de História Natural e coautor do artigo. “Com base em séculos de confusão nomenclatural e cerca de 400 anos após sua extinção, o Dodô e o Solitaire continuam provocando debates acalorados.” A pesquisa analisou desde os primeiros relatos até as teorias modernas, corrigindo vários erros ao longo do caminho.
O estudo confirma que tanto o Dodô quanto o Solitaire pertenciam à família Columbidae (pombos e pombas), e essa descoberta tem implicações importantes tanto do ponto de vista taxonômico quanto da conservação. “Compreender suas relações mais amplas com outros pombos é de importância taxonômica, mas do ponto de vista da conservação, a perda do Dodo e do Solitaire algumas décadas depois significa que um ramo único da árvore genealógica dos pombos foi perdido”, explica o Dr. Gostling. “Não há nenhuma outra ave viva hoje como essas duas espécies de pomba terrestre gigante.”
Os pesquisadores também contestam a ideia popular de que o Dodô era um animal gordo e lento destinado à extinção. “Mesmo quatro séculos depois, ainda temos muito a aprender sobre essas aves extraordinárias”, diz o Dr. Young. “O Dodô era realmente o animal burro e lento que fomos educados para acreditar que era? Os poucos relatos escritos sobre Dodôs vivos dizem que ele era um animal de movimentos rápidos que adorava a floresta.” O Dr. Gostling acrescenta: “Evidências de espécimes ósseos sugerem que o tendão do Dodô, que prendia os dedos dos pés, era excepcionalmente poderoso, análogo ao das aves vivas que escalam e correm atualmente. É quase certo que o Dodô era um animal muito ativo e muito rápido.”
Infelizmente, essas aves estavam perfeitamente adaptadas ao seu ambiente, mas eram vulneráveis devido à ausência de predadores naturais em suas ilhas. “Essas criaturas estavam perfeitamente adaptadas ao seu ambiente, mas as ilhas em que viviam não tinham predadores mamíferos. Assim, quando os humanos chegaram, trazendo ratos, gatos e porcos, Dodo e Solitaire não tiveram chance”, diz o Dr. Gostling. Ele também sugere que a compreensão do papel ecológico dessas aves pode ser crucial para a recuperação dos ecossistemas em Maurício: “Os Dodôs ocupavam um lugar integral em seus ecossistemas. Se os entendermos, poderemos apoiar a recuperação do ecossistema em Maurício, talvez começando a desfazer os danos que começaram com a chegada dos humanos há quase meio milênio”.
O estudo marca o início de um projeto mais amplo para compreender a biologia dessas aves icônicas. “O mistério do pássaro Dodô está prestes a ser desvendado”, diz o Dr. Markus Heller, Professor de Biomecânica da Universidade de Southampton e coautor do artigo. “Reunimos uma equipe fantástica de cientistas para descobrir a verdadeira natureza desse famoso pássaro extinto. Mas não estamos apenas olhando para trás no tempo – nossa pesquisa também pode ajudar a salvar as aves ameaçadas de extinção de hoje.” O Dr. Heller continua explicando: “Usando tecnologia de informática de ponta, estamos juntando as peças de como o Dodô vivia e se movia. Não se trata apenas de satisfazer nossa curiosidade. Ao compreender como as aves evoluíram no passado, estamos aprendendo lições valiosas que podem ajudar a proteger as espécies de aves atuais.”
O projeto também inclui a colaboração da paleoartista Karen Fawcett, que criou um modelo detalhado do Dodô em tamanho real, dando vida às palavras dos cientistas. Ela comenta: “Este trabalho foi a fusão da ciência e da arte para alcançar precisão e realismo, de modo que essas criaturas voltassem dos mortos, reais e tangíveis para as pessoas tocarem e verem.”
O Diretor do Institute of Life Sciences da Universidade de Southampton, Professor Max Crispin, expressa sua satisfação com o projeto: “O Instituto teve o prazer de apoiar esse trabalho empolgante que exemplifica a força de Southampton em pesquisas interdisciplinares e bolsas de estudo avançadas.”
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Esse estudo é um exemplo notável de como a ciência interdisciplinar pode lançar uma nova luz sobre mistérios antigos e, ao mesmo tempo, oferecer soluções para os desafios ecológicos atuais. Ao unir esforços entre cientistas, paleoartistas e especialistas em tecnologia, o estudo do Dodô não apenas resgata a memória de uma espécie perdida, mas também contribui para a preservação da biodiversidade no presente e no futuro. “É como resolver um quebra-cabeça de 300 anos, e a solução pode nos ajudar a evitar que mais pássaros sigam o caminho do Dodô”, conclui o Dr. Heller.