A busca por vida extraterrestre levanta questões profundas, e uma das mais desafiadoras é definir a própria natureza da vida. Há mais de um século, biólogos compreendem que a vida na Terra está enraizada em blocos fundamentais: DNA, RNA e aminoácidos. Registros fósseis mostram que a evolução da vida seguiu caminhos diversos, resultando na incrível variedade de organismos que observamos hoje. No entanto, padrões de convergência e restrições sugerem que as possibilidades evolutivas não são infinitas, limitando as formas que a vida pode assumir.
Para astrobiólogos, essas descobertas levantam questões fascinantes sobre a vida além da Terra. Podemos prever a natureza da vida alienígena com base em nosso modelo terrestre? Até que ponto as restrições observadas na Terra se aplicam em outros lugares? Um estudo recente, conduzido por uma equipe internacional de pesquisadores do Instituto Santa Fe (SFI), abordou essas questões.
Com base em estudos de caso de várias disciplinas, eles concluíram que existem limites fundamentais que restringem os tipos de formas de vida que poderiam surgir em qualquer parte do cosmos.
A equipe de pesquisa foi liderada por Ricard Solé, chefe do ICREA-Complex Systems Lab na
Universitat Pompeu Fabra e professor externo no Santa Fe Institute (SFI). Ele foi acompanhado por vários colegas e pesquisadores do SFI do Institute of Biology da University of Graz, do Complex Multilayer Networks Lab, do Padua Center for Network Medicine (PCNM), da Umeå University, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), do Georgia Institute of Technology, do Tokyo Institute of Technology e do European Centre for Living Technology (ECLT).
A equipe explorou os possíveis achados de uma sonda interestelar ao pousar em um exoplaneta em busca de vida. Uma questão crítica surgiu: como uma missão poderia identificar formas de vida que evoluíram em biosferas totalmente diferentes da da Terra? Embora a vida provavelmente exija certas condições físicas e químicas para surgir — aumentando as chances de detecção — identificá-la torna-se significativamente mais complexo ao se considerar biologia sintética e bioengenharia, além de biologia evolutiva e astrobiologia.
Como observaram Solé e sua equipe, essas complexidades se resumem a uma questão fundamental: os cientistas podem antecipar a variedade de sistemas vivos possíveis além da biosfera terrestre? Solé destacou dois desafios principais: a incerteza sobre o que procurar e o impacto da biologia sintética, que complica os estudos astrobiológicos.
“O grande problema é a detecção de bioassinaturas. Detectar atmosferas de exoplanetas com a resolução adequada está se tornando uma realidade e melhorará nas próximas décadas. Mas como definir um critério sólido para dizer que uma composição química medida está conectada à vida?
“[A biologia sintética] será um fio condutor paralelo nessa aventura. A vida sintética pode fornecer pistas profundas sobre o que esperar e quão provável ela é sob determinadas condições. Para nós, a biologia sintética é uma ferramenta poderosa para interrogar a natureza sobre o possível.”
Para abordar essas questões fundamentais, a equipe examinou estudos de caso que abrangem termodinâmica, computação, genética, desenvolvimento celular, ciência do cérebro, ecologia e evolução.
Eles também revisaram pesquisas anteriores que modelaram a evolução por meio de conceitos como evolução convergente (evolução independente de traços ou comportamentos semelhantes), seleção natural e as restrições de uma biosfera. A partir dessas análises, Solé e sua equipe identificaram características universais compartilhadas por todas as formas de vida:
“Analisamos o nível mais fundamental: a lógica da vida em diferentes escalas, considerando vários limites informacionais, físicos e químicos que parecem inevitáveis. As células, por exemplo, como unidades fundamentais, parecem ser um atrator esperado em termos de estrutura: vesículas e micelas são formadas automaticamente e permitem o surgimento de unidades discretas.”
A equipe também se baseou em exemplos históricos nos quais previsões teóricas sobre a complexidade da vida foram posteriormente validadas pela biologia. Um caso notável é o livro What is Life? de Erwin Schrödinger, publicado em 1944, no qual ele propôs que o material genético é um cristal aperiódico — uma estrutura não repetitiva, mas precisamente ordenada, capaz de codificar as informações necessárias para orientar o desenvolvimento de um organismo.
Os insights de Schrödinger influenciaram diretamente James Watson e Francis Crick, levando à descoberta da estrutura do DNA em 1953.
Além disso, Solé destacou as contribuições visionárias de John von Neumann, cujo conceito de “construtor universal” antecedeu a revolução da biologia molecular. O modelo teórico de von Neumann de uma máquina autorreplicante foi inspirado na lógica subjacente à vida celular e à reprodução.
“A vida poderia, em princípio, adotar uma ampla variedade de configurações”, observou Solé. “No entanto, argumentamos que certas características são inevitáveis em todas as formas de vida — como polímeros de informação lineares e a existência de sistemas parasíticos.”
Enquanto isso, Solé enfatizou que ainda há muito trabalho a ser feito antes que a astrobiologia possa prever com confiabilidade as formas que a vida poderia assumir em todo o Universo:
“Propondo um conjunto de estudos de caso que abrangem uma ampla gama de propriedades de complexidade da vida, oferecemos um roteiro bem definido para o desenvolvimento dos fundamentos. Em alguns casos, como a inevitabilidade dos parasitas, a observação é extremamente forte, e temos algumas intuições sobre o motivo de isso acontecer, mas ainda não temos um argumento teórico universal. Desenvolver e provar essas ideias exigirá novas conexões entre diversos campos, desde computação e biologia sintética até ecologia e evolução.”
O artigo da equipe, “Fundamental constraints to the logic of living systems”, foi publicado no Interface Focus (uma publicação da Royal Society).
Leitura adicional: Santa Fe Institute, Interface Focus